Os efeitos benéficos da terapia com cavalos já são conhecidos,
mas alargam-se agora ao tratamento das dependências. As sessões têm a
sinceridade como ponto de partida. O cavalo, habitualmente muito dócil, não se
deixava apanhar por nada. Tinham passado já duas sessões e não havia meio de
interagir com “Alfonse” (nome fictício). O terapeuta perguntou-lhe qual a
semelhança entre aquilo que está se passando e a sua vida.
“É a mesma coisa”, respondeu Alfonse. “As pessoas não
se aproximam, porque não confiam em mim”. “E porque é que não confiam?” “Porque
eu minto. Digo a todos que estou ‘limpo’, mas não é verdade — é só para me
deixarem em paz.” Pela primeira vez em dois anos, Alfonse admitiu ainda não
estar livre de drogas. E foi preciso um cavalo para o “desarmar”...
Estranho? Não, se ouvirmos as várias histórias de
prática clínica que David Tidmarch, especialista escocês em TAC — Terapia
Assistida por Cavalos (em inglês, Equine Assisted Psycho-Therapy) —, divulga em
todo mundo.
Porque é que um cavalo tem capacidade para ajudar
doentes com dependências? Há várias razões, explica David. Primeiro, “porque são
animais altamente sensíveis”, o que se explica por estarem em “permanente
estado de alerta”. Os cavalos “captam” as contradições das pessoas, as
incongruências na sua linguagem gestual e corporal, “forçando-as” a baixar as
defesas e a tirar as máscaras. Outro fator que ajuda na terapia é que o cavalo,
não sendo uma pessoa, não emite juízos de valor. Não comenta, nem condena — é
como uma testemunha silenciosa com quem se pode desabafar.
Nas sessões de TAC, trabalham-se essencialmente duas
áreas: o “self-awareness” (consciência de si), em que o cavalo “obriga” o
paciente a ser sincero consigo mesmo — de outro modo, não interage; e os “relacionamentos”,
visto a pessoa ter de se descentrar e estabelecer uma relação com o animal.
Cria-se então uma “dinâmica relacional única” entre cavalo e paciente, numa
equipe terapêutica constituída por três pessoas: o conselheiro, o
sujeito/paciente e o equitador.
Este tipo de terapia também apresenta bons resultados
em casos de depressão, em famílias disfuncionais e junto de doentes com
distúrbios alimentares. David lembra o caso de uma menina com anorexia, que se
recusava a comer já há vários dias. Levaram a refeição dela para o estábulo,
para o pé do cavalo. A menina acabou por comer, confessando mais tarde que não
conseguiu resistir, ao ver o animal sempre comendo feno — um cavalo passa 12 a
15 horas por dia a ruminar.
Para Emanuel Fagundes, técnico na TAC, as principais
vantagens desta terapia é “a rapidez do tratamento” (geralmente oito sessões
são suficientes) e o fato de o paciente ficar desarmado. “Os adictos são
peritos na arte da camuflagem”, explica. “Num consultório, sabem que controlam
as coisas. Com o cavalo, no picadeiro, não. Nunca se sabe o que vai acontecer.
Ali, o paciente não pode esquivar-se ou desconversar.” Além disso, um paciente
ao ar livre, não confinado a um espaço fechado, “abre-se mais facilmente”.
A TAC surgiu há cerca de 10 anos nos EUA, e é hoje
praticada na Inglaterra, na Irlanda, Bélgica, Dinamarca, Israel e África do
Sul. Os tratamentos têm uma característica curiosa, já que quase nunca se monta
o cavalo.