JIM CARREY E RODRIGO SANTORO NUMA COMÉDIA PARA DIVIDIR OS GOSTOS
É possível
um ator mainstream como Jim Carrey protagonizar uma comédia ultrajantemente
gay? E é possível que Ewan McGregor seja nela uma espécie de ‘noiva’ frágil e
embevecida pelo amor daquele homem que lhe surgiu a iluminar a prisão onde
ambos penavam pelos seus delitos? Não, não estou delirando. E também não me
refiro a um filme de equívocos em que as regras do boulevard fossem
cirurgicamente manipuladas para incluir uma temática homo (como era o caso de
“A Gaiola das Loucas”).
Nem um filme gay onde essa tendência sexual
fosse arvorada em bandeira, orgulhosamente desfraldada com um humor belicoso
(como acontecia, por exemplo, com o espantoso documentário “Rock Hudson’s Home
Movies”). Refiro-me a um filme que trata uma temática gay com tal exuberância
que se diria saído do imaginário de uma drag queen, mas, por outro lado,
utiliza os estereótipos com a virulência de que só um homofóbico seria capaz —
tudo envolvido no espanto que é a consciência de se tratar de uma história
real, mesmo sabendo nós que o cinema tem liberdades que a vida não consente.
Por cima do bolo, a contradição de não podermos gostar do protagonista,
prodigioso egoísta, narcísico e amoral, lamentando todavia a madrasta direção
que a sua vida acabou por tomar.
Steven
Russell (Carrey) sempre tentou fazer o bem e andar na linha, como cidadão, como
polícia, como pai e como marido. Tinha, contudo, um segredo: era gay. Até que
no cruzamento de uma estrada, um carro aparece-lhe com o impacto com que Cristo
deve ter aparecido a Saulo a caminho de Damasco. Na história bíblica, Saulo
tornou-se Paulo e, depois, santo. No filme, Steven torna-se... uma ‘bichona
doida’ com um estilo de vida tão ostensivo que só convertendo-se em vigarista
de alta escala é que a consegue sustentar. Até que a polícia o agarra e acaba na
cadeia. E consegue safar-se e volta à delinquência e outra vez à cadeia e etc.
Saiba-se, contudo, que “I love you Phillip Morris”,ou ”O golpista do ano” na
versão brasileira,é sátira malcomportada — aos filmes gay, às histórias de amor
(sim, lá dentro também há uma aproximação às comédias cor-de-rosa — em grotesco),
aos lugares-comuns de gênero e de tendência sexual, às histórias de tribunal e
de prisão... Tão descabelada que o filme acaba a desfiar em nós interrogações
sem resposta. Na verdade, este pudim de mau-gosto, petulância e inventiva não é
um filme que se possa amar — mas é irresistível, já que nunca se viu nada
assim.