...As minhas quatro filhas estudam num colégio de freiras. A
minha esposa e eu frequentamos a Igreja Nossa Senhora dos Desvalidos. Nós somos
respeitados por toda comunidade paroquial. Padre Friedrich Wilhelm, seupatrício, não iria gostar nada dessa parada em que você quer me meter... –
Osório – disse o chefe. – Osório, não seja tonto! Use o
telefone! Você se esqueceu que se trata de uma entrevista com uma call girl?
Com uma massagista?
As perguntas criteriosamente preparadas, as folhas de
papel presas na pranchetinha de acrílico – a mulher tinha saído para levar as
crianças à escola - peguei o telefone sem fio e comecei a discar.
Os primeiros oito números estavam ocupados. Do intenso
movimento nas linhas telefônicas deduzi uma ocupação animada em outro âmbito,
em outra esfera... Finalmente, na nona tentativa, logo no décimo sexto toque
atendeu a voz sonolenta de uma mulher.
Boa tarde – disse eu. – Meu Nome é Osório Matos da
Silva Oliveira. Eu sou repórter do novo jornal virtual “Der schlaue
Brasilienreisende”. Um informativo para turistas e empresários europeus. Nossa
intenção é mostrar ao visitante em potencial tudo que o Brasil tem a oferecer
de bom e bonito, aproximando-o ao máximo do nosso país... Uma entrevista com
uma massagista, de uma profissional do sexo iria iluminar um tema mais que
obscuro até então. Uma realidade, que em nossa opinião não deve ser ignorada
por mais tempo... Se você fizer o favor de me responder algumas pergu... –
Um “clic” se fez em meu ouvido e eu estava de novo
sozinho e no início de minhas tentativas. Continuei a discar, ouvindo o sinal
de ocupado. Insisti, procurando novos números nos classificados do jornal local
e discando de novo. De repente atendeu uma voz de homem. Surpreso, me sentindo
apanhado num flagrante delito, desliguei o telefone.
Pensamentos grotescos invadiram o meu cérebro de heterossexual
e homem macho. Menos a idéia de ter discado errado. Afinal de contas propagam,
recomendam e apregoam naqueles anúncios todo tipo de Apolos, Adonis, Hércules e
Zulus tanto a sua incansável prontidão como seus dotes físicos. Um chegou a
vangloriar-se falando em 25 centímetros de sua descomunal masculinidade e eu me
perguntei, de que maneira alguém poderia chegar a um resultado desses... Onde
se poria o início da fita métrica, daquela régua de madeira? No “zero”? Como
diante do perigo eminente de um metro do tipo “craveira”, daquela peça direita
de seção quadrada e grossa de pau, com escala em baixo relevo, alguém poderia
atingir a ereção...
Finalmente atendeu a voz de uma moça. Uma garota de
vinte anos, natural de Vitória da Conquista, com nome de Leidejane. Com o meu
coração batendo mais forte procurei uma saída rápida para evitar que me
batessem de novo o telefone na cara. De repente surgiu a idéia salvadora.
Oi – disse eu. – Eu tenho um amigo estrangeiro,
solteiro, que não fala português. Ele não quer passar a noite sozinho. Por isso
ele me pediu para que o ajudasse em arranjar uma acompanhante. Posso lhe fazer
algumas perguntas nesse sentido? –
Leidejane – Naturalmente – gorjeou a jovem.
Der schlaue Brasilienreisende, doravante DsB – Quanto
você cobra por uma noite? O anúncio no jornal menciona o valor de R$ 80,00
Leidejane – 80 Reais mais táxi ida e volta para duas
horas. Para a noite inteira cobro R$200,00. Em que hotel está o seu amigo? Qual
é o nome dele? Uma vez conheci um alemão chamado Manfred... –
DsB – Friedrich Wilhelm está no Pero Vaz de Caminha
Plaza e está esperando um telefonema meu. Diga-me, como você resolve o problema
da comunicação, quando o seu cliente não sabe nada de nosso idioma, nadica de
português? –
Leidejane – Não vejo problema nisso. Eu não sou tão
experiente como outras profissionais, mas sou muito inteligente. Estou
financiando os meus estudos com este trabalho. Você compreende? Você não
prefere saber de minhas medidas, saber, como sou fisicamente? Não quer que eu
lhe descreva a minha pessoa? –
DsB - Eu
gostaria de saber como você consegue deitar-se na cama e ter intimidades com
uma pessoa que você não conhece, com quem não consegue trocar uma palavra
sequer... ? –
Leidejane – Mímica! Eu falo com as mãos, com o corpo
todo. Além do mais, cada um de nós sabe o que um espera do outro. –
DsB - Friedrich
Wilhelm tem um forte cheiro de corpo, parecendo um gambá. Ele também tem um
chulé poderoso e halitose... tem um bafo de urubu brabeza -.
Leidejane - Eu sei o que fazer para que ele tome um
banho e escove os dentes... Você não gostaria de saber como é o meu corpo? Sou
mulata, bonita, tenho 1,69 de altura e todos os dentes, peso 56 kg, sou do tipo
violão... bumbum grande seios pequenos, cabelos pretos do tipo rasta até o bumbum...
Faço tudo... quase tudo... –
DsB - Você faz questão que o seu cliente use
camisinha? O meu amigo me disse que não gosta de transar com preservativos. –
Leidejane – Por
mim, o seu amigo pode colar de suor, ter um corpo frio e pegajoso e cheirar
como um peixe longe do mar e morto há tempos... Contra isto posso fazer algo.
Uma possível transmissão de HIV só posso evitar usando camisinha. Sem
preservativo não faço programa! –
DsB - Mesmo se ele aumenta o seu cachê? –
Leidejane - Por dinheiro nenhum no mundo –
DsB – E se ele na hora “aga” não conseguir colocar
aquela borrachinha? –
Leidejane – Estes detalhes você pode deixar comigo. “Tenho
cá os meus truques” –
DsB - Muito bem, agora vou ligar para o Friedrich
Wilhelm. Telefono-lhe mais tarde! –
Leidejane – Diga ao seu amigo que eu cobro R$ 350,00...
pelas condições de extrema insalubridade. Imagine se eu pego uma frieira, ou
chatos, ou ácaros, baratas... ou coisa pior...-
Coloquei o telefone de lado e anotei os pontos mais
importantes. Não satisfeito, liguei para mais alguns números da coluna
“acompanhantes”. Adriana, uma gaúcha loira de 29 anos, com 1,73 de altura,
cobraria a fortuna de R$ 700,00 por uma noite, enquanto Márcia, uma morena
clara citava o valor de R$ 360,00. Conceição, uma jovem afro-brasileira de 18
anos, com cabelos curtos pixaim, faria o mesmo programa por apenas R$ 70,00.
Essas
informações deixaram evidentes que a regra brasileira: quanto mais escura a
pele - menor salário, vigorava também na mais antiga das profissões...
De noite, nós
estávamos com visitas, tocou o telefone. Angélica, a nossa menorzinha, como
sempre atendeu, anunciando o nome da pessoa que ligou, dizendo também o que ela
queria... Em seguida ligaram todas as outras, querendo saber do paradeiro do
cliente em potencial. Assunto, que a estas alturas eu já havia esquecido. A
primeira chamada foi de Leidejane. Conceição ligou quatro vezes, Márcia duas e
finalmente Adriana.
Eu havia esquecido que alguns telefones hoje em dias possuíam
aqueles aparelhinhos que registravam o número das chamadas recebidas...
Foi uma tragédia ter que explicar à minha querida e
santa esposa todos aqueles telefonemas... diante das crianças e das pessoas
mais importantes da paróquia Nossa Senhora dos Desvalidos... inclusive Padre
Friedrich Wilhelm.
“Texto de uma época em que ainda não sofria com prejuízos
financeiros causados pelo poder público como hoje e ‘enquanto’ taverneiro do
Bistrô PortoSol...”
Reinhard Lackinger é taverneiro. Ou escritor?