Dez dias após o carnaval, resolvi mergulhar com dois
amigos na área do Farol da Barra para confirmar a notícia de que havia uma
quantidade absurda de lixo espalhada pelo fundo do mar naquela área.
Mesmo com a água
um pouco suja por causa das chuvas do dia anterior, logo identificamos o local.
Na verdade o lixo não estava espalhado, mas concentrado em um canal
provavelmente em razão do movimento das marés. Uma cena lamentável! Eram pelo
menos mil e quinhentas latinhas metálicas e garrafas plásticas.
Da superfície o
visual parecia com as imagens áreas que vemos dos blocos de carnaval durante a
festa momesca. Só que ao invés de estarem pulando, dançando e se beijando ao
som frenético e ensurdecedor dos trios elétricos, os foliões do fundo do mar
estavam rolando de um lado para o outro numa mórbida coreografia, empurrados
silenciosamente pelo balanço do mar, sem dança, sem alegria, sem vida e sem
poesia.
Assustados,
decidimos não retirar o material naquele dia na esperança de tentar
sensibilizar algum veículo de comunicação para fazer uma matéria com imagens
subaquáticas. A intenção era compartilhar aquela agressão carnavalesca com
nossa população e os donos da folia.
Fizemos contato
com pelo menos três emissoras e todas pediram que enviássemos e-mails com
fotos, o que fizemos imediatamente. Aguardamos respostas por dois dias e como
não tivemos qualquer retorno, optamos por retirar o lixão de lá para evitar
maiores danos.
A bem da verdade
estávamos super desconfortáveis com nossas consciências por termos testemunhado
aquela cena e deixado para resolver o problema dias após. Mas tínhamos que
tentar a matéria para que a ação não se resumisse somente à coleta do material.
Tínhamos em mente que a
repercussão sensibilizaria os empresários e artistas do carnaval, os órgão
públicos, a imprensa, as empresas financiadoras e nossa gente. A tentativa foi
boa, mas não rolou…
Fomos então, no
terceiro dia após o primeiro mergulho, retirar o material. Antes, porém, fiz
questão de chamar um amigo que tem uma caixa estanque para filmarmos a ação e
guardarmos o documentário visando trabalhos futuros e até mesmo a matéria que
queríamos na TV.
Sem cilindro de ar e contando apenas com duas pranchas
de SUP (Stand Up Paddle) e alguns sacos grandes, éramos quatro mergulhadores
ousados retirando do fundo do mar tudo o que podíamos naquela tarde.
Pouco antes de o sol se
pôr conseguimos finalmente colocar todo o lixo na calçada.
Muitos curiosos, inclusive turistas, olhavam intrigados a nossa atitude e a todo o instante nos questionavam sobre a origem daquele resíduo. A resposta estava na ponta da língua: Carnaval!
Vou logo
informando aos amigos leitores que não sou contra o carnaval, muito pelo
contrário, sou fã por diversos motivos, mas acho que a realidade da festa não
guarda a menor relação com as belíssimas cenas, as informações rasgadas de
elogios e a excessiva euforia amplamente divulgada pela mídia.
Sei que o comprometimento com os patrocinadores e
aquela velha guerrinha de vaidades contra os carnavais de outros estados como
Pernambuco e Rio de Janeiro, acabam conspirando para isso. Mas vejo aí um
modelo cansado, super dimensionado, sem inovações socialmente positivas e
remando na direção oposta ao desenvolvimento sustentável da nossa cidade.
Aquele lixo submarino é um
pequeno sinal deste retrocesso. Pior, patrocinado solidariamente pelos grandes
empresários, artistas e principalmente pelo poder público que tem o dever de
melhorar nossa segurança, nossa saúde e educação.
Aproveito o
embalo para incluir indignação semelhante sobre os eventos realizados na praia
do Porto da Barra durante o verão.
O “Música no Porto” e o “Espicha Verão” não tem trazido
nada de bom para nossa cidade, além da oportunidade de vermos ótimos artistas
de perto e de graça. De resto, o lixo, o mau cheiro, a degradação ambiental, o
xixi pelas ruas, a impressionante quantidade de ambulantes amontoados por todos
os espaços públicos e a agressão aos patrimônios históricos, são um grande “pé
na bunda” do turista de qualidade.
É o mesmo que
olhar para uma bela maçã com a casca brilhante e aspecto suculento, porém,
apodrecida por dentro…
Naquele final de tarde acabamos contemplando um por do
sol diferente. O monte de lixo empilhado na calçada do Farol da Barra virou
atração. E como Deus é grande, fomos brindados com a presença de valorosos
catadores de rua para finalizar a limpeza.
Desta ação, além das
ótimas imagens documentadas em vídeo, resta rezar para que os donos do
carnaval, dos eventos no Porto da Barra e nossos queridos foliões se toquem que
algo tem que mudar.
O fundo do mar
não merece aquele bloco reluzente e, ao contrário do asfalto, o oceano costuma
revidar violentamente as agressões sofridas.
Não tem alegria alguma no fundo da folia!
Fotos:
Francisco Pedro / Projeto Lixo Marinho - Global Garbage Brasil
Fotos
do Espicha Verão: Manuela Cavadas e Luciano da Matta / Agência A Tarde