A cidade e o Lixo

terça-feira, 9 de março de 2010

A espantosa quantidade de lixo recolhida do fundo do mar após o Carnaval demonstra que a questão cultural no que diz respeito ao lixo, não é um desprivilégio das cidades do interior. As imagens aqui apresentadas mostram “foliões do fundo do mar” rolando de um lado para o outro numa mórbida coreografia, empurrados silenciosamente pelo balanço das águas, sem dança, sem alegria, sem vida e sem poesia

A cidade e o Lixo



Dez dias após o carnaval, resolvi mergulhar com dois amigos na área do Farol da Barra para confirmar a notícia de que havia uma quantidade absurda de lixo espalhada pelo fundo do mar naquela área.

Mesmo com a água um pouco suja por causa das chuvas do dia anterior, logo identificamos o local. Na verdade o lixo não estava espalhado, mas concentrado em um canal provavelmente em razão do movimento das marés. Uma cena lamentável! Eram pelo menos mil e quinhentas latinhas metálicas e garrafas plásticas.

Da superfície o visual parecia com as imagens áreas que vemos dos blocos de carnaval durante a festa momesca. Só que ao invés de estarem pulando, dançando e se beijando ao som frenético e ensurdecedor dos trios elétricos, os foliões do fundo do mar estavam rolando de um lado para o outro numa mórbida coreografia, empurrados silenciosamente pelo balanço do mar, sem dança, sem alegria, sem vida e sem poesia.

 Assustados, decidimos não retirar o material naquele dia na esperança de tentar sensibilizar algum veículo de comunicação para fazer uma matéria com imagens subaquáticas. A intenção era compartilhar aquela agressão carnavalesca com nossa população e os donos da folia.

 Fizemos contato com pelo menos três emissoras e todas pediram que enviássemos e-mails com fotos, o que fizemos imediatamente. Aguardamos respostas por dois dias e como não tivemos qualquer retorno, optamos por retirar o lixão de lá para evitar maiores danos.

 A bem da verdade estávamos super desconfortáveis com nossas consciências por termos testemunhado aquela cena e deixado para resolver o problema dias após. Mas tínhamos que tentar a matéria para que a ação não se resumisse somente à coleta do material.

Tínhamos em mente que a repercussão sensibilizaria os empresários e artistas do carnaval, os órgão públicos, a imprensa, as empresas financiadoras e nossa gente. A tentativa foi boa, mas não rolou…


Fomos então, no terceiro dia após o primeiro mergulho, retirar o material. Antes, porém, fiz questão de chamar um amigo que tem uma caixa estanque para filmarmos a ação e guardarmos o documentário visando trabalhos futuros e até mesmo a matéria que queríamos na TV.

Sem cilindro de ar e contando apenas com duas pranchas de SUP (Stand Up Paddle) e alguns sacos grandes, éramos quatro mergulhadores ousados retirando do fundo do mar tudo o que podíamos naquela tarde.


Pouco antes de o sol se pôr conseguimos finalmente colocar todo o lixo na calçada.

Muitos curiosos, inclusive turistas, olhavam intrigados a nossa atitude e a todo o instante nos questionavam sobre a origem daquele resíduo. A resposta estava na ponta da língua: Carnaval!

 Vou logo informando aos amigos leitores que não sou contra o carnaval, muito pelo contrário, sou fã por diversos motivos, mas acho que a realidade da festa não guarda a menor relação com as belíssimas cenas, as informações rasgadas de elogios e a excessiva euforia amplamente divulgada pela mídia.

Sei que o comprometimento com os patrocinadores e aquela velha guerrinha de vaidades contra os carnavais de outros estados como Pernambuco e Rio de Janeiro, acabam conspirando para isso. Mas vejo aí um modelo cansado, super dimensionado, sem inovações socialmente positivas e remando na direção oposta ao desenvolvimento sustentável da nossa cidade.

Aquele lixo submarino é um pequeno sinal deste retrocesso. Pior, patrocinado solidariamente pelos grandes empresários, artistas e principalmente pelo poder público que tem o dever de melhorar nossa segurança, nossa saúde e educação.

 Aproveito o embalo para incluir indignação semelhante sobre os eventos realizados na praia do Porto da Barra durante o verão.

O “Música no Porto” e o “Espicha Verão” não tem trazido nada de bom para nossa cidade, além da oportunidade de vermos ótimos artistas de perto e de graça. De resto, o lixo, o mau cheiro, a degradação ambiental, o xixi pelas ruas, a impressionante quantidade de ambulantes amontoados por todos os espaços públicos e a agressão aos patrimônios históricos, são um grande “pé na bunda” do turista de qualidade.

 É o mesmo que olhar para uma bela maçã com a casca brilhante e aspecto suculento, porém, apodrecida por dentro…

Naquele final de tarde acabamos contemplando um por do sol diferente. O monte de lixo empilhado na calçada do Farol da Barra virou atração. E como Deus é grande, fomos brindados com a presença de valorosos catadores de rua para finalizar a limpeza.

Desta ação, além das ótimas imagens documentadas em vídeo, resta rezar para que os donos do carnaval, dos eventos no Porto da Barra e nossos queridos foliões se toquem que algo tem que mudar.

 O fundo do mar não merece aquele bloco reluzente e, ao contrário do asfalto, o oceano costuma revidar violentamente as agressões sofridas.

Não tem alegria alguma no fundo da folia!

 





Fotos: Francisco Pedro / Projeto Lixo Marinho - Global Garbage Brasil

Fotos do Espicha Verão: Manuela Cavadas e Luciano da Matta / Agência A Tarde


Autor: Bernardo Mussi
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Existe 7 comentários para esta publicação
sábado, 19/2/2011 por Rosane Oliveira Barreto
educação ambiental
Quando a população vai entender o absurdo que vem causando para o meio ambiente da qual ela faz parte!!!! Fico muito indignada em saber que não existe educação ambiental, que as pessoas se destroem de forma galopante.
sexta-feira, 11/2/2011 por Elísio de Almeida
A Cidade e o Lixo
Estou realmente Perplexo com o Reflexo Negativo deixado pelo Carnaval, imagino que fatos como este acontecem todos os Anos, mas um privilégio para os Turistas que desfrutam das coisas boas da nossa Cidade e depois vai embora, deixando a sujeira.
quarta-feira, 24/3/2010 por Lucimar Andrade
meio ambiente
Bernardo, tua iniciativa foi louvável demonstra que você é uma pessoa consciente, responsável e se sente parte do meio em que vive. Infelizmente, muitos não se sentem assim, é uma pena!
quarta-feira, 10/3/2010 por Gugu
A CIDADE E O LIXO
O homem só vai ficar satisfeito quando matar e morrer junto com o corpo que o sustenta. Millor Fernandes estava certo quando disse que "O homem é o cancer na tureza"
terça-feira, 9/3/2010 por Luis Leite
vergonha
esse é o sentimento dos idealizadores da matéria, assim como de muitos leitores preocupados com o meio ambiente e a sustentabilidade do planeta.com tanto dinheiro gerado pós canaval, é um absurdo as imagens que vemos.
terça-feira, 9/3/2010 por Maria
A CIDADE O LIXO (Mórbida Coreografia...).
Amo Carnaval! Acho uma Barbaridade que isso ainda esteja acontecendo?! As pessoas envolvidas, as autoridades, o povo; gente acordem! O nosso Planeta está morrendo...!! Parabéns Bernardo Mussi, obrigada.
terça-feira, 9/3/2010 por Valter
Porcos
Muito emblematica a marca do "Chiclete com Banana" encerrando a matéria.Como diria Nizan: "Esta indústria do axé, personificada em Bell do Chiclete, só destroi a Bahia. Ele não é um artista. É um crooner careca. Tudo nele é mentira"
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