“HELLO, SIR”, Rua da Seda, ponto obrigatório de passagem de qualquer turista, onde é assediado por vendedores de todo o tipo de verdadeiros produtos falsos de marca
Os centros comerciais de Ya Show e da Rua da Seda, em Pequim — pontos de passagem
obrigatórios de turistas — estão cheios de jovens vendedores que, aos gritos de
“hello, Sir!”, “Gucci!”, “Louis Vuitton!”, “Omega” e outras marcas, propõem
carteiras, camisolas, relógios e toda a espécie de artigos, pedindo 100 pelo
que acabam vendendo por 10.
“O verdadeiro valor do que vendem nesses centros
comerciais é o da hora suplementar que trabalham, clandestinamente, por conta
própria depois do horário oficial, a fabricar os produtos encomendados pelas
marcas Gucci, Louis Vuitton, Lacoste,
etc.”, explica um cidadão chinês. “Os produtos que vendem são idênticos aos que
produzem por encomenda para essas marcas. A diferença está na qualidade dos acabamentos.
Todos sabem que um Jeans comprado no Ya Show precisa de novo zíper após uma
semana de uso”.
Estes mecanismos de adulteração inserem-se num sistema
de corrupção bem montado, mas são considerados por grande parte dos chineses
como a única solução para os problemas com que se confrontam no dia-a-dia, e
aos quais o regime não conseguiu ainda dar resposta.
A cidade de Jingdezhen, na província central de
Jiangxi, onde durante as dinastias Qing e Ming os fornos imperiais produziam a
famosa porcelana da época, é hoje o centro industrial chinês mais importante de
produção de cópias de porcelana antiga
(fang gu). Dafen, nos arredores de Shenzhen — a zona industrial especial,
próxima de Hong-Kong e Macau —, é atualmente a maior aldeia mundial de pintura
a óleo. A produção é feita a um ritmo de «fast-food», com um exército de
pintores produzindo anualmente cerca de cinco milhões de quadros a óleo,
reproduzindo em cadeia Van Gogh ou qualquer outro mestre. Os quadros
destinam-se ao mercado chinês, a par de pinturas chinesas tradicionais ou obras
célebres de pintores chineses contemporâneos, destinados a galerias e
compradores ocidentais.
Copiar obras-primas é um elemento essencial da cultura
chinesa. Na época Ming copiavam as obras da época Song, e na época Qing as
obras do início da época Ming, inclusivamente com o selo imperial. Copiar é considerado
uma forma de apreço, de consideração e de estima pelo objeto copiado.
Ai
Wei Wei, um dos artistas contemporâneos chineses mais
conceituados e mundialmente conhecidos, disse afirma “Na China a noção de
copiar não tem uma conotação negativa, como tem no ocidente. As obras-primas
dos grandes mestres eram geralmente cópias das obras de outros grandes mestres
seus antepassados. Procurava-se com a cópia obter um trabalho melhor, mais
perfeito do que o modelo. Esse era o verdadeiro objetivo e o verdadeiro valor
residia precisamente na capacidade de fazê-lo. Se considerarmos a arte da
caligrafia, sabemos que gerações inteiras de artistas, mestres e alunos, se
dedicaram a reproduzir sistematicamente os mesmos caracteres. No ocidente o
artista vive obcecado com a noção da originalidade da sua obra de arte. Ora a
cópia pode ser mais perfeita do que o original”. E mostra um dos seus
trabalhos, expostos na sala de sua casa, uma escultura de madeira que reproduz
o mapa da China, e comenta: “Esta escultura é um trabalho meu. A pedido de uma
galeria, que a queria pôr à venda, fiz reproduzir uma perfeitamente idêntica.
Qual é o original e qual é a cópia ?” Filosofa
Na China tudo se
pode copiar e piratear. Tanto mais que a introdução, nos anos 80, de uma
economia capitalista sem um quadro legislativo apropriado criou, numa sociedade
intrinsecamente confucionista, mecanismos de corrupção em que a falsificação é
vista como um meio de sobrevivência plenamente justificado. E deixou de visar
apenas bens de consumo.
Por toda a parte
em Pequim, tanto nos bairros mais populares como nas zonas mais modernas,
centenas de números de telefone escritos nas paredes propõem todo o tipo de
documentos falsificados, desde a autorização de residência ao registro de
automóveis, passando por certificados de trabalho ou tudo aquilo que seja
difícil ou impossível de obter por via legal.
Por exemplo, o número de falsos divórcios aumentou
consideravelmente nos últimos anos. Isto porque os montantes das indenizações
nos casos de demolição da casa onde vive o casal ou de dispensa por
encerramento da fábrica são duplicados no caso de os cônjuges se candidatarem
separadamente.
Cao Fei, uma jovem professora de Inglês de Pequim,
conta outra situação: “Os meus primos vivem na província e vieram expressamente
a uma consulta no Hospital n.˚3 da Universidade de Pequim. Querem ter um filho,
mas a minha prima não consegue engravidar. E este hospital é o que tem o melhor
serviço. Quando lá chegamos percebemos que havia quem já estivesse lá esperando
há dias. A alternativa para ser atendida mais rapidamente era ir comprar um dos
primeiros lugares na fila a um chinês que me indicaram. Tivemos de pagar 400
kuai (40 €) por um lugar com um número mais baixo na fila de espera. E isto
certamente com a conivência do pessoal do hospital”.
O mesmo se passa
em muitas outras situações, como a compra de um bilhete de primeira classe com “couchette”
num vagão para PingYao, para onde há
alguns anos isso seria impossível sem uma carta das autoridades ou um
comprovante do local de trabalho. Hoje já é possível, mas é preciso passar
pelos intermediários do mercado paralelo. Na China, hoje, qualquer documento
legal tem o seu duplo ilegal.