1- RESUMO
Analisa
a associação entre os aspectos de dominação masculina nos contextos
sócio-culturais em relação à mulher, especificamente a sertaneja do semi-árido
baiano, vítima de preconceitos limitações e estereotipias. Procura
primeiramente analisar a mulher em seu ponto de vista antropológico, regional
por assim dizer cultural, perpassa pelas considerações do empoderamento
masculino e da vitimização feminina, considerando o aspecto simbólico destas
relações. Transcorre por discussões acerca do pensamento lógico matemático, que
a muito determina uma maior aplicação do mesmo pelos construtos da cognição
masculina. Para tanto, constrói um modelo intrincado entre estas
multi-relações, percorrendo o itinerário da possibilidade da inserção feminina
no lócus do saber privilegiado ao
homem, indicando caminhos de uma lógica de transformação, que faz referência à
interface homem/mulher.
Palavras-chave:
Cultura. Identidade. Gênero. Estereotipia. Formação Matemática
Historicamente e culturalmente, a mulher e
o homem, apresentam diferenças de todas as ordens. Tradicionalmente, o homem
apresenta um perfil mais objetivo, seus construtos estão mais ligados a uma
maior racionalização. Cria metas, as percorre e vai aonde quer chegar. Normalmente
são indicados a cursos que explorem sua racionalidade (números), objetividade,
sua força física, sua intelectualização mais formal.
A mulher “inversamente” desenvolve em suas
múltiplas inteligências, um viés mais voltado à música, a literatura, a arte.
Resguardado pelo desejo da biologia, o direito das demais inteligências a serem
desenvolvidas (cientificamente comprovado), pelo sexo masculino.
É
eminentemente mais subjetiva, intuitiva, emocionalmente referendada, sensível e
deste modo, indicada as áreas do conhecimento “pedagógico”, filosófico para não
dizer “doméstico”.
Mas
o que fazem mulheres que apresentam este perfil (filosófico, psicológico,
epistemológico) em cursos de graduação de matemática?
Mulheres
sertanejas, historicamente reprodutivistas de uma prática social machista.
Rural. Como pensam estas mulheres, matematicamente? Como conduzem suas vidas,
sociais, profissionais, afetivas? Fazem com que, seu perfil, mais “subjetivo”,
perpasse o conhecimento matemático cartesiano, puro, frio, estanque e
descontextualizado, o dissolva e o transforme num conhecimento, mais lúdico,
real, intrincado a vida das pessoas, e por assim dizer mais “feminino”? Por que
são tão poucas em número nas universidades de formação para professores de
matemática? Feminizam este conhecimento? Como amam? Analisam cientificamente,
equacionam suas ações, prevêem reações, calculam palavras, eliminam obstáculos?
A
presente intenção de discussão “quebra” todos os paradigmas da ciência matemática
pura, que ao longo dos anos trata o conhecimento matemático como uma linguagem
meramente formal, formando profissionais para serem meros “fazedores” e
“fazedoras” de aritmética e algebrismos, tornando cursos de licenciaturas em
bacharelados estúpidos.
Considera-se
a ousadia em tratar um tema, que longe dos princípios axiomáticos de seus
colorários matemáticos, quer refletir sobre a pessoa que se encontra por detrás
desta discussão. Aqui é o ethos que só torna essencialmente relevante: O ethos feminalis!
Ademais
é desejo em realizar o presente estudo numa área que se permita este passeio
inter-intra-trans-multidisciplinar, focado na discussão de gênero, nas
representações sociais vinculadas à mulher em seus processos de identificação,
nos regionalismos inerentes a sua condição de sertaneja na “essência feminina”
e nas suas formas de ver matematicamente o mundo ou simplesmente, ver o mundo
usando uma matemática mais “feminino-masculina”.
Diante
do objeto de estudo tal como aqui delimitado, tem-se norte a seguinte
formulação: Como associar os processos
identitários de mulheres, sertanejas e matemáticas na construção de mecanismos
de inserção social, em espaços eminentemente masculinos?
Esta
é a intenção, não se trata de um estudo poético, trata-se de um estudo que
através de uma análise antropológica dessas mulheres, no seu fazer pedagógico,
no seu fazer familiar, social e afetivo, buscar elementos sobre quem ela é para
o nosso mundo contemporâneo, cercado de exigências massificadoras, preconceituosas
e lineares.
Investigar-se
a gama do complexo emaranhado de suas relações consigo mesma, com o outro, com
a cultura do “feminino” que está atrelado às formas de representações sociais e
de identificação. Atingindo em cheio as “Marias Bonitas”, mulheres
essencialmente vanguardistas, em geografia, em sua história de luta, em beleza
de ideais ecológicos, na biologia de reproduzir outros seres, na química de
transformar um ensino frio em um colo quente, tabuada em música, e matemática
em vida.
Nossos
primeiros habitantes o homo sapiens, o
homem do paleolítico superior. Forte, com altura aproximada a 1.80m, vivia
essencialmente da caça, da coleta de alimentos e, para garantir sua
sobrevivência, dependia da parceria exercida entre homens e mulheres.
Durante muito tempo, creditou-se ao homem a
efetivação da sociedade patriarcal, porém indícios de estudos arqueológicos
demonstram que a pré-história não se movia por este modelo, o que se leva a
crer, que se não patriarcal, então matriarcal. Contudo não há sinais de
subordinação do homem. O fato desta etno-paisagem é reafirmar que os processos
de dominação masculina, não nasceram com o “homem” ou com a “mulher”, e sim
algo que vem sendo socialmente construído, ao longo dos séculos.
O
mundo moderno em suas exigências econômico-sociais, trouxe à luz a divisão
sexo/poder, o que corrobora Bourdieu,
A
ordem social funciona com uma imensa máquina simbólica que tende ratificar a
dominação masculina sobre qual se alicerça: é a divisão social do trabalho,
distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois
sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço,
opondo o lugar de assembléia ou de mercado, reservados aos homens, a casa
reservada ás mulheres. (2002, p.18).
Nos
últimos 10 anos, têm-se observado níveis de regressão do indivíduo. O fim do
estruturalismo trouxe em seu bojo, como nos coloca Boaventura (1996, p.18)
“(...) a revalorização das práticas e dos processos e, nuns e noutros, a
revalorização dos indivíduos que os protagonizavam. Contudo, observa-se aí o
surgimento da exposição da vida privada”, o consumismo e o narcisismo dos modos
de vida sociais e afetivos, a banalização dos sentimentos, as pessoas encaradas
como “coisas” que possam ser descartadas, a complexidade do ser, do assumir-se
e conseqüentemente de assumir o outro como nos aponta Bauman:
“(...) assim, se você deseja” relacionar-se “,
mantenha distância; quer-se usufruir o convívio, não assuma nem exija
compromissos. Deixe todas as portas sempre abertas”. (2004, p.10 e 11).
Desta
maneira, o indivíduo parece ser muito mais individual e isolado do que nunca,
perdido e “encontrado” pelas redes da informática, onde quer que esteja. Embora
cedendo aos individualismos de seu tempo, sua vida íntima nunca foi tão
pública, sua vida sexual nunca tão “codificada”, estereotipada, sua liberdade
nunca foi tão enclausurada, seu trabalho tão subjugado.
Na
efervescência contemporânea, outros elementos seguem como ingredientes deste
caldeirão escaldante, estabelecem as discriminações étnicas, de gênero, de
preferências sexuais, de gerações, gerando conflitos, dominações e de maneira
excludentes de ver e se comportar com o outro: segregação, colonização,
escravidão, luta pelo poder.
A
paisagem está posta: Mulheres que carregam os preconceitos que esta “condição”
trás, aliada a esta, outra “sub-condição”, ser originalmente fruto do
semi-árido baiano e com ele a subordinação como algo arraigado no âmago do
contexto sócio-cultural da sociedade. E é, nessa sociedade patriarcal, marcada
por linhas visivelmente divisórias onde de um lado está o contingente masculino
voltado às esferas públicas, e de outro nos recônditos de seus lares, o
confinamento das mulheres, atuando nas esferas domésticas. Todavia, embora
subordinadas, elas não estão destituídas do poder, muito embora ajam de forma
invisível, tornando deste modo implícito seu poder. Prova disso, mulheres nos
cursos de exatas, espaço este reservado a objetivação masculina.
Para
tornar “ordenado” este trinômio: Mulheres, sertanejas e professoras de
matemática e suas muitas formas de identificação cultural, bem como de
estereotipação, toma-se o presente trabalho em termos previamente definidos
para uma maior compreensão do todo.
4.1 ESSENCIALMENTE MULHERES
“
Eu sou uma mulher” significa que sou eu mesma como mulher enquanto ao redor de
minha identidade se constroem minhas condutas e os julgamentos de valor que
faço delas: positivos quando reforçam minha consciência de ser primeiramente
uma mulher, negativos quando ocultam a afirmação de mim mesma como mulher.
(TOURAINE, 2007, p.28).
A
afirmação das mulheres como elas mesmas, vem tomando corpo e emergindo-se nos
cenários atuais, muito embora comportamentos de estereotipia e preconceitos
ainda se fazem presentes, uma vez que neste universo polarizado entre as
classes que determinam o empoderamento do masculino em relação ao feminino,
ainda resistem aos novos modelos de identidade, como nos confirma Hall,
“Emergiu, então, uma concepção mais social do sujeito. O indivíduo passou a ser
visto como mais localizado e “definido” no interior dessas grandes estruturas e
formações sustentadoras da sociedade moderna.” (2006 p.30).
O
novo se estabelece e com ele o medo, a dúvida, a desestabilização da certeza.
Aprendemos com o século XIX a visão de universo obediente a uma ordem
impecável, que deve ser substituída pela certeza do jogo da dialógica, aonde o
medo e a incerteza vêm cedendo lugar à vontade de acompanhar a evolução do
tempo.
Num
mundo marcado pela dissolução das fronteiras, dos espaços físicos/geográficos,
e de reelaborações temporais, as “velhas” certezas hierarquizadas das
identidades, passam a ser revistas. Hall é enfático ao afirmar que (...) a
globalização, tem sim o efeito de contestar as identidades centradas e “fechadas”
de uma cultura nacional (...). (2006, p.93).
Desafiando a ordem e o sistema de valores
patriarcais, o movimento feminista chegou a uma nova compreensão da
masculinidade e da “pessoalidade” que não depende da associação da virilidade
com posse de bens materiais. No seu nível mais profundo, a consciência feminina
baseia-se no conhecimento existencial que as mulheres têm do fato de que todas
as formas de vida são interligadas, de que a nossa existência está sempre
inserida nos processos cíclicos da natureza. Por isso a consciência feminista
tem por foco a busca da satisfação nos relacionamentos, e não na acumulação dos
bens materiais. (CAPRA, 2002, p. 271).
Com
efeito, observa-se que as mulheres dentro desta gama do global, remanescentes
das construções do movimento feminista como nos descreve Capra, cujos objetivos
visavam à supressão das discriminações que vitimavam as mulheres, oportunizando
as mesmas a fazer o reverso da moeda e garantir uma “equiparação” de chances,
se mobilizam mais uma vez e encabeçam lutas com fins a derrubar monarquias
absolutas.
E neste panorama atual, pós-feminismo, as
mulheres não buscam construir uma “sociedade das mulheres”, considerada mais
doce, subjetiva, conquistadora e diferenciada da dos homens, o que querem de
fato é criar uma cultura a partir delas mesmas (TORAUNE, 2007, p.32). Partindo deste pressuposto, a sociedade aqui
indicada, ainda articula-se aos conceitos que foram sendo agregados às mulheres
ao longo dos séculos, como sendo uma forma de representação baseada em
estereótipos de fraqueza, sensibilidade, exacerbação de sua sexualidade em
alguns casos ou completa subtração de desejos sexuais noutros. As mulheres
tencionam suas próprias relações com o “mundo dos homens” a partir de uma
re-elaboração de si. Deste modo não existe identidade entre o eu que cria, ama, e o eu constituído pelo outro, a partir das
relações que estabelece com o outro. Ainda nos reportando a Touraine, “Eu sou
uma mulher, quer dizer: “ sou mulher, eu tenho o direito de ser uma mulher de
dar a este personagem o conteúdo que escolhi”. ( 2007, p.31).
Para
a psicanálise, as estereotipias e os preconceitos de todas as ordens, são
entidades “imaginárias”. Fenômenos que se instalam carregados de uma essência
baseada em crenças e afetos. Neste sentido, podemos afirmar que todos nós,
homens e mulheres possuímos estereótipos e preconceitos perante o outro, resta
saber, quais as atitudes devemos tomar a partir da convicção desta relação.
Destas
muitas discussões, nascem movimentos que buscam a inclusão dos “diferentes”, e
a partir daí outras discussões um tanto controvertidas (quotas), vem se mobilizando. Mulheres, negros, índios, deficientes físicos,
homossexuais, minorias em geral, vêm engrossando fileiras de protestos,
motivadas pela leitura mais questionadora da diversidade humana.
Estes
grupos buscam sua emancipação, embora a sociedade ainda se mantenha resistente
às culturas engessadas de opressão.
“Eu
sou uma mulher”, nos faz refletir sobre o fato de que as mulheres ainda estão
muito presas ao mundo feminino, criado pelos homens para formar um gênero, que a subjugou pela
superioridade do binômio homem-mulher, e conseqüentemente da heterosexualidade. Daí, em todos os
domínios e lugares do mundo, o desejo entoado por diversas vozes que clamam uma
oportunidade de serem ouvidas nas suas particularidades e no “direito de ter
direitos”.
E
por falar em direitos, o termo mulher vem recheado de considerações
contraditórias e associado a este um outro elemento, que por sua vez também
está cercado de preconceitos e estereótipos, além de limitações e segregação:
As mulheres sertanejas especificamente do semi-árido baiano.
4.2 SERTANEJAS DO SEMI-ÁRIDO BAIANO
O
nordeste do Brasil, caracterizado por diferentes ambientes naturais representa
a maior região semi-árida do país em extensão, tão grande como a bacia
Amazônica.
Durante
o período da colonização, nos meados do século XVI, secas cíclicas tem marcado
a vivência dos habitantes do semi-árido.
A
vida das mulheres neste contexto, a despeito das outras mulheres oriundas das
cidades cosmopolitas, tem sido efetivamente atravessada por questões relativas
às secas, Assim como às políticas nelas envolvidas. Na medida em que criam
soluções para o desastre climático, vão criando uma nova construção do seu
“eu”, marcado pela subordinação masculina e a exploração de trabalho, uma vez
que acondiciona para além de suas atividades rurais, as relativas ao cuidado da
casa, dos filhos e da profissão.
Contribuindo
deste modo para a supremacia do “homem” enquanto detentor do poderio econômico,
dos melhores salários e de sua participação efetiva nas esferas públicas.
Contudo, há uma via de acesso. Uma objetividade no mundo subjetivo clássico das
discussões eminentente machistas: elas migraram de seu mundo subjetivo,
sensível, maternal e se juntaram a tantas outras oriundas do triângulo da seca.
e chegaram à universidade e pasmem, se assentaram nas cadeiras das
“Exatas”.
4.3 SEU POTENCIAL LÓGICO MATEMÁTICO
Dentre
as distintas maneiras do fazer e do saber, diferença esta que se sobrepõe aos
“biologismos”, como nos aponta Simone de Beauvoir:
É
a luz, de um contexto ontológico, econômico e social, que teremos que
esclarecer os dados da biologia. A sujeição da mulher à espécie, os limites de
suas capacidades individuais, são fatos de estrema importância; [...} Ele só é
realidade vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no seio
de uma sociedade. (...) Trata-se de saber não como a natureza foi nela revista
através da história: trata-se de saber o que a humanidade fez da fêmea humana.
(1949,p. 173).
Algumas
destas concepções do savou fair de
homens e mulheres, indistintivamente, privilegiam a comparação, classificação,
quantificação, medição, generalização. Menciona-se aqui, a um saber-fazer
matemático na busca de explicação e de maneiras de lidar com o ambiente
“imediato e remoto” (D´Ambrósio, 2005, p.22). Obviamente que este conhecimento
é contextualizado e atende a fatores sociais e naturais.
O
cotidiano está repleto de saberes e fazeres próprios da cultura. Há todos os
instantes, homens e mulheres, estão exercendo aplicações da matemática em suas
relações com pessoas, economia, geometria, enfim, com o mundo que os rodeia,
mobilizando deste modo produções e configurações mentais e intelectuais que são
próprios de sua formação genética e de sua cultura.
A
matemática analisada por este prisma, responde aos apelos de respostas às
pulsões vitais de “sobrevivência e transcendência” (IBIDEM), que se
caracterizam por ser a síntese das questões existenciais da espécie humana.
O
surgimento do pensamento matemático humano em indivíduos tem sido tema para
muitas discussões e pesquisas. O cérebro está muito conhecido e já podemos
afirmar muitas questões relativas à massa craniana.
Mas
onde está a capacidade de preferir? Objetivar? Subjetivar? Sensibilizar-se?
Não
há pesquisas científicas que possam dar conta destas respostas. Deste modo
podemos concluir que o pensamento lógico-matemático, em suas configurações
anatômicas e epistemológicas, não nos aponta para um caminho que desemboque
preferencialmente nos homens.
Se
a matemática não é ciência específica para homens, logo podemos concluir que a
matemática é de domínio público, uma vez que foi criada e exercida por homens e
mulheres, nas resoluções de problemas dos mais banais aos mais complexos.
Contudo, ainda podemos observar que os cursos voltados para as áreas das
exatas, ainda se preservam na supremacia masculina quase que absoluta. Ora, se
já identificamos que, esta exclusão está longe de ser legitimada pela Biologia
ou Epistemologia, devemos entender que as lacunas se devem ao preconceito ainda
latente da “masculinização” da ciência.
Mas
algumas questões ainda rondam nossas discussões matemáticas. Há a “feminização”
da educação matemática? Dada à referência história e construída socialmente que
as mulheres exercem uma condição “comportamental” diferenciada dos homens, as
professoras de matemática, conduzem sua prática educativa considerando este
modelo? Afinal, qual a sua real identidade?
4.4 SUAS PRÁTICAS SÓCIO-AFETIVAS
A
identidade e a diferença não podem ser compreendidas, pois, fora dos sistemas
de significação nos quais adquirem sentidos. Não são seres da natureza, mas da
cultura e dos sistemas simbólicos que a compõem. (SILVA, 1997, p.78)
A
afirmação da identidade e a marcação da diferença, ainda considerando as
discussões e estudos de Silva, implicam no equacionamento do binômio de
inclusão e exclusão. Noutras palavras, o que “somos” dependerá da afirmação de
quem “não somos”. Como num jogo matemático de negação: Pertence não pertence,
Contido não contido, o que entra como elemento deste conjunto e o que ficará do
lado de fora. Neste divisor de águas, temos de um lado homens culturalmente
amparados pelo modelo patriarcal, pelo poder, e pela linguagem e do outras
mulheres (sertanejas). No centro, o que vemos é o objeto da ciência, como maçã
que expulsará um dos dois do paraíso, e com eles a legitimação do monopólio
desta mesma ciência. Bourdieu vem corroborar com,
(...) porque é e porque não há sujeitado
social que possa ignorá-lo praticamente, as propriedades (objectivamente)
simbólicas, mesmo as mais negativas, podem ser utilizadas estrategicamente em
função dos interesses materiais e também simbólicos do seu portador. (2002,
p.112)
Neste
sentido, se estabelece visão androcêntrica, que põe em xeque os comportamentos
femininos de reprodução do preconceito que dá a primazia do empoderamento ao
homem, o que Bourdieu chama de “maldição”. Esta suposta “maldição está em
curso, no transcorrer das situações cotidianas. A condição de subjugação
feminina ocorre em seu próprio lar, na divisão dos trabalhos domésticos, da
diferença salarial dos cônjuges, na maneira de criação dos filhos. Tarefas
designadas ao modo” “feminino” de ser, uma vez que diante de uma situação mais
conflituosa (matemática, por exemplo?), estas mulheres estarão fadadas ao
fracasso. Na fração deste “bolo”, evidentemente a melhor parte ou a maior parte
ficará por conta do homem. E as mulheres por sua vez, que a muito se mantém nas
migalhas da história, incorporam estes esquemas de pensamento de modo
simbólico, reproduzindo estas relações de poder masculino, assumindo como tal e
exercitando a violência, que a vitima.
Contrariando
as elucubrações do senso comum, mulheres emitem comportamentos em sua vida
social e afetiva, a partir das representações masculinas, ora por pressão, ora
por total consentimento. Isto se estende para a vida afetiva, parafraseando
Bourdieu, podemos constatar que o encantamento exercido pelo poder simbólico
desencadeia, na fronteira entre dominantes e dominados, muitas vezes ocorre
contra sua vontade, legitimando deste modo à aceitação muitas vezes tácita dos
limites que se traduzem em comportamentos envolvidos pela névoa da culpa,
vergonha, timidez, amor admiração e respeito.
Diante
destas exposições algumas pistas: Só uma estruturação política dará cabo desta
condição de sujeição, ou por investimento pedagógico nas esferas educacionais,
estas instituições as quais o número de estudantes do sexo feminino ainda não
atingiu sua grande maioria. Estará aí o x da questão que solucionará as
variáveis, fruto das já mencionadas inquietações? Colocada em outra ordem, A
inserção na esfera educacional, terá como associação as formas de construção da
identidade da mulher sertaneja frente a sua condição para além das “maldições”
dominadoras?
Estas
e muitas outras questões estarão sujeitas a tomar corpo durante este itinerário
que porá em xeque a condição binária homem/mulher.
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Elis
Rejane Santana da Silva
é professora da UNEB- Coordenadora do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero:
Flores do Sertão/UNEB; Coordenadora no Núcleo de Pesquisas em Educação
Matemática de Paulo Afonso: NUPEMPA- Membro da Sociedade Baiana de Educação Matemática
pelo NUPEMPA; Pesquisadora na àrea de Gênero, Educação Matemática,
Etnomatemática e Cultura e Identidade. Mulher do semi-árido baiano,
graduada em matemática numa turma cuja maioria era dos sexo masculino.