O assunto voltou a estar na ordem do dia quando a atriz Mackenzie
Philips, de 49 anos, lançou uma biografia em que assume ter tido relações
sexuais consentidas com o seu pai durante cerca de dez anos. Mackenzie é filha
de John Philips, um dos fundadores
do conjunto Mamas and Papas, celebrizado na década de 60 com as músicas
‘California Dreaming’ ou ‘ Monday, Monday’.
Além do livro, a atriz decidiu falar da sua experiência
no programa de Oprah Winfrey, onde assumiu que a relação paternal foi
contaminada pela forte dependência de drogas, problema que afetou pai e filha —
Mackenzie disse que começou a consumir cocaína aos 11 anos. Disse ainda ter
realizado um aborto, pago pelo próprio pai, embora não pudesse garantir de quem
era o filho, se de John Philips ou do seu marido. A atriz classificou
as relações que manteve com o pai como “incesto consensual”. John Philips
morreu em 2001, aos 65 anos, e Mackenzie assume ter confrontado o pai com a
relação na época da sua morte. Ele apenas teria respondido: “Queres dizer,
fizemos amor?”
Com a divulgação deste caso na mídia, vieram à memória
outras situações que ficaram célebres, como o já longo casamento entre Woody Allen e Soon-Yi, filha adotiva do
cineasta e da atriz Mia Farrow. Allen e Soon-Yi estão casados desde 1997 e adotaram
duas crianças. Mas o processo não foi fácil, tendo Mia Farrow acusado Woody
Allen de ter molestado os filhos que tiveram em comum.
O escritor peruano Mário
Vargas Llosa casou-se com a sua prima Patrícia e ficou célebre o seu livro
“Tia Júlia e o Escrevinhador”, onde aborda as reações à relação. Charles Darwin
teve dez filhos com a sua prima Emma. Albert Einstein também optou por casar-se
com uma prima, Elsa Loewenthal. Por
serem mais banais, os relacionamentos entre primos — embora desaconselhados
pelo senso comum devido às suas eventuais consequências genéticas — acabam por
não merecer grande rejeição por parte da sociedade. Já os relacionamentos
sexuais entre pais e filhas ou de mães com filhos são encarados pela opinião
pública, em geral, como uma verdadeira aberração. Também tios com sobrinhas e
sogros ou sogras com noras ou genros. Nestes casos, a palavra que denomina a
relação é incesto e fica marcada como uma tatuagem em quem ousar ir contra o
interdito social. Uma das justificações encontradas pelos sociólogos para uma
tão funda rejeição, independentemente da proximidade do parentesco dos
envolvidos, remete para a confusão que estes relacionamentos geram no
imaginário das pessoas. Por exemplo, um pai que se casasse com a sua filha
seria pai ou avô dos descendentes que poderiam surgir desta união?
As próprias definições de parente próximo variam
conforme a sociedade em causa. Além dos parentes ligados pelo nascimento, ditos
consanguíneos, em alguns casos também podem ser considerados parentes aqueles
indivíduos que se unem ao grupo familiar por adoção ou pelo casamento. O
problema do incesto tem, portanto, confrontado a sociedade com os seus mais
fundos receios, desafiando as leis canônicas e sido motivo de amplos estudos
antropológicos, sociológicos e psicanalíticos.
Ficou célebre a interpretação de que o interdito das
relações sexuais dentro do mesmo núcleo familiar representaria a passagem do
estado natural ou selvagem para o cultural. Os complexos de Édipo e de Electra, embora
potencialmente já ultrapassados na prática da psiquiatria contemporânea,
continuam a ocupar imenso espaço no imaginário popular. Para não falar do peso
do pecado, fortemente sublinhado pela tradição judaico-cristã que moldou as
sociedades ocidentais.
O interdito é de tal ordem que está vertido na
legislação de muitos países. Alguns por exemplo, impedem e podem mesmo anular
um casamento que se realize entre parentes em linha reta (pai e filha, mãe e
filho, avó e neto), parentes no segundo grau da linha colateral (irmãos, quer
sejam do mesmo pai e mesma mãe, quer sejam só da mesma mãe ou só do mesmo pai)
e pessoas com afinidade em linha reta (sogro com nora, sogra com genro,
padrasto com enteada, madrasta com enteado), seja esta ligação familiar
legítima ou mesmo ilegítima.
Não há, contudo, nenhum impedimento legal ao casamento
de um ex-marido com a filha que a ex-mulher venha a ter de um casamento
celebrado após o divórcio. Liberdade que não existe se a filha for de um
casamento anterior à relação da mãe com o homem em causa. A mesma lei impede,
mas não pode anular um casamento que se chegue a realizar entre parentes em
terceiro grau na linha colateral. Também não há objeção ao casamento entre cunhados.
Nem do padrasto com a viúva do enteado.
A explicação para o impedimento das relações sexuais
entre pessoas com vínculos familiares remete para a necessidade de conservação
da espécie. Porque está provado que os filhos de parentes consanguíneos apresentam
uma maior possibilidade de desenvolverem problemas genéticos.
Mas, normalmente, o lado emocional da discussão
prepondera e a argumentação de que nem todas as relações têm como objetivo
final a procriação é absolutamente secundarizada. Há, inclusive, uma página na
Internet criada por um grupo de pessoas que defendem a possibilidade de se
concretizarem relacionamentos sexuais entre parentes — o site http://www.geneticsexualattraction.com/
diz querer ajudar as pessoas que têm laços de consanguinidade, foram separadas
à infância e que depois se reencontraram, tendo decidido formar então um casal.
Mas os autores deste movimento fazem questão de se demarcar das interpretações
estereotipadas, afirmando não ser um site de promoção do incesto, da fantasia,
do abuso de crianças, nem pornográfico.
A questão genética é importante, mas todos os casais
têm sempre de lidar com uma margem de risco de poderem ter filhos afetados por
problemas de origem genética. Nos casais sem laços de consanguinidade, esta
margem rondará os 3%, valor que aumenta, dependendo do grau de relação entre os
membros do casal. Os primos-irmãos, por exemplo, partilham aproximadamente um
oitavo ou 12,5% da sua herança genética. Há estudos, contudo, que desdramatizam
esta situação, afirmando que o fator de risco de filhos com problemas
resultantes do casamento entre primos em primeiro grau não se afasta muito da
média geral, sendo calculado em 4,7%.
Fica evidente, contudo, que razões de ordem eugênica,
ética, moral e social contaminam à partida a avaliação destas relações que
envolvem emoções, sexo e família,
consanguínea ou não. Porque, mesmo em relacionamentos consentidos, caso
acabassem por ser banalizados, a família, como representação de virtude no
imaginário social, poderia transformar-se num centro de paixões mórbidas e
perturbações violentas. E isto, sim, é inaceitável do ponto de vista da coesão
dos grupos humanos.