É o caso da Aldeia Velha. Na geração que tem agora 35
anos ou mais, quem não se recorda do mítico jingle ‘É cá dos nossos, é cá dos
nossos, Aldeia Velha para os nossos copos’? Apostamos que poucos.
O anúncio,
criado por João Rapazote Fernandes, entrou nos ouvidos portugueses de tal forma
que ”já ninguém se lembra de outros anúncios à Aldeia Velha”, sublinha José
Salvação Barreto, responsável pela marca, atualmente distribuída pela Pernod-Ricard.
O seu impacto foi tal que, curiosamente, ainda hoje esta bagaceira é líder de
mercado em Portugal, sendo também “exportada para 20 países, entre os quais Suíça,
França, Bélgica, Brasil, EUA ou mesmo Israel”, garante. Por isso, uma
“revolução na imagem da Aldeia Velha está fora de questão. Não há mais necessidade
de publicidade. Pelo menos por enquanto”. Sentencia
Mas afinal de onde vem este líquido transparente com
reflexos dourados e 40% de álcool que, sobretudo no Norte do país, é o primeiro
mata-bicho de muito bom trabalhador?
O processo começa em Riachos, Torres Novas, na destilaria de Zuzarte Reis, de 78 anos. É lá que
chega a matéria-prima, o bagaço de uva (casca e semente da fruta), oriundo na
maioria de cooperativas do Oeste, Ribatejo e Alentejo, que será destilado duas
vezes antes de seguir para os armazéns de envelhecimento no Bombarral, onde
deverá permanecer pelo menos um ano em cascos de carvalho.
Depois da destilação e antes de entrar nos cascos, o
bagaço tem de ir a laboratório para ser provado e aprovado. Curiosamente a
responsável pelo controlo de qualidade tem apenas 29 anos e não se lembra de
ver algum anúncio da marca na televisão. “Fazemos análises químicas, depois a
prova e comparamos com o padrão que temos também numa garrafa. Faço provas de
outro tipo de bebidas, mas da que gosto mais é da Aldeia Velha”, revela Mariana Gaspar ( no centro da foto), acrescentando que não
entende a “opinião retrógrada acerca da bebida”, até porque “é ótima até para
fazer caipirinhas”, exemplifica. A maioria dos consumidores de bagaceira é do
sexo masculino e a imagem da marca está muito associada à rudeza, virilidade/força,
ao trabalho físico, à forte graduação alcoólica e a homens com formação acadêmica
muito básica, com idade compreendida entre os 40 e os 65 anos.
Segundo Salvação Barreto, o produto é “consumido puro,
prioritariamente após a refeição (almoço principalmente), com o café”. A
maioria dos clientes toma apenas uma dose por cada ocasião de consumo, mas
alguns a ingere também logo pela manhã, antes de iniciar o trabalho (o chamado mata-bicho), tendo, contudo
“parte significativa deste tipo de consumo matinal sido substituído por cerveja
e uísque”, admite. Com a adesão à União Européia e a consequente harmonização
de impostos, as categorias tradicionais perderam consumidores, que, pelo mesmo
preço, passaram a consumir bebidas internacionais com imagem mais sofisticada e
mais bem aceites socialmente, caso do uísque.
A zona geográfica com maior incidência de consumo de
bagaceira (cerca de 50% do total) é a Área 3 Norte (litoral de Coimbra a
Valença do Minho, excluindo o Grande Porto), sendo que 85% do mesmo tem lugar
em pequenos cafés e snack bars.
Em Portugal, o mercado de bagaceira atinge anualmente
cerca de 132.000 caixas de 9 litros, segundo informação prestada pelos maiores
produtores ao “International Wines & Spirits Report”, embora tenha caído
nos últimos 10 anos a um ritmo anual de 6,6%. “A categoria é liderada pela
marca Aldeia Velha, que vende no mercado interno aproximadamente 16.000 caixas
(quota de 12,3%), seguida pela S. Domingos, com cerca de 10.000 caixas (quota
de 7,5%). “O restante consumo está ‘pulverizado’ por dezenas de pequenas marcas
com pouca expressão isolada”, explica José Salvação Barreto.