Naquela hora me lembrei de uma viagem de trem num
daqueles vagões de compartimento único, indo com parentes e amigos de Amsterdam
a Heidelberg. Aproveitamos o leve e monótono ruído, aquele
"tuqui-tuqui" das rodas sobre as emendas dos trilhos para iniciar uma
batucada... chamando a atenção dos demais passageiros.
Hoje desconfio que eu tenha exagerado, dando àquele
pesadíssimo monstrengo metálico movido a vapor, óleo Diesel ou energia elétrica
muito mais importância do que devia.
Pensando bem, locomotivas nada seriam sem os dormentes,
os trilhos, sem os ferroviários que cuidam da segurança, do fluxo dinâmico das
composições... e principalmente sem os passos apressados de uma multidão pacata
de passageiros.
Tudo isso pertence à Europa com a naturalidade como o
sangue que circula em nossas veias e artérias.
O que nos países industrializados há séculos faz parte
das paisagens, como os próprios vales por onde passam as ferrovias, com os
silvos dos chefes das estações tendo importância igual à sirene das fábricas, o
batimento do coração de cada um... de Lisboa, passando por Paris, Viena, Moscou
até a China e o Extremo Oriente, de Antenas até Hammerfest, de Oostende até Istambul... da Costa Leste da América
do Norte até a Costa do Pacífico...
O que nos países industrializados tem jeito de algo
perene e imutável, no Brasil parece efêmero, tendo importância pontual,
dependendo de interesses econômicos e políticos instáveis... e do preço de
certos commodities.
Tem sido assim com a ferrovia Madeira-Mamoré, com a linha de Iaçú a Senhor do Bonfim, da
qual eu era usuário há uns 40 anos, viajando de Jequitibá a Jacobina.
Ferrovias que já não existem mais há muitos anos.
Permanecem no local apenas as ruínas de estações e
pedaços de trilhos transformados em "mata-burros" que dividem
pastagens de fazendas de gado.
Mesmo passando apenas uma vez por dia, o próprio trem e
também as estações pareciam ter mais vida do que as ferrovias da Europa.
Ainda me lembro da expressão de surpresa no rosto dos demais companheiros de viagem naquele vagão entre Amsterdam e Heidelberg ao escutar a nossa batucada.
Aqui na Bahia, além de toda vida, há ainda um outro ingrediente para colorir o que lá fora é massacrado e extirpado por uma pontualidade banal, asséptica e sem graça: o "peraí".
Nos ouvidos de minha imaginação já está soando a
batucada num ônibus cheio de banhistas aos domingos... além das cornetas de torcedores do Baêêa voltando da
novíssima Fonte Nova via Campo da Pólvora até a Rótula do Abacaxi, com o
"peraí" sendo entoado em uníssono em cada uma das três estações ao
longo do caminho...
- Ué... acabou? Que crônica curta!
- É para combinar com o tamanho do trajeto do Metrô de Salvador -