Saudades da guerra

domingo, 13 de setembro de 2009

Para alguns soldados nada é melhor do que as missões de serviço no Iraque ou Afeganistão. Mesmo quando regressam para casa e revêem a família, o coração fica no terreno de guerra “se eu não estivesse lá, não sei quem faria o meu trabalho. Mas sei que o faço melhor”.

Saudades da guerra



O primeiro-sargento Jason Dodge desenvolve explo
sivos que rebentam portas e paredes e diz que o seu “trabalho” está no Iraque ou Afeganistão


O sargento Shaun McBride prefere estar num teatro de guerra do que em casa. Gosta da adrenalina. Detesta as responsabilidades triviais da vida doméstica, as contas e os problemas familiares. Já fez 43 meses no Afeganistão e no Iraque. A sua primeira mulher, com quem esteve casado durante três anos, enviou-lhe os papéis do divórcio quando ele estava a combater as milícias talibãs — quis divorciar-se para se casar com um dos amigos dele. (Não foi possível contatá-la para um comentário). “Quero lá saber”, diz McBride, de 32 anos, com um encolher de ombros. Casou-se agora de novo — com Evangeline (Star) McBride, uma divorciada de 27 anos e mãe de um filho — e prepara-se para a sua quinta missão na equipe de combate da Terceira Brigada da 101ª Divisão Aerotransportada.

Quando lhe pergunto, na presença de Star, do que é que tem mais saudades quando está no estrangeiro, ele não hesita: do seu Mustang transformado. Gosta de dirigi-lo em alta velocidade e “mostrar do que é capaz” quando outro carro reluzente pára ao lado do seu num sinal vermelho. Mas até guiar um carro é melhor no Iraque. Lá, “fazemos na estrada o que nos apetece. Somos donos da estrada... Podemos entrar na casa das pessoas sem sermos convidados. É como se fosse a nossa casa”.

O sargento McBride é um militarão. Sabe muito do seu ofício e adora o que faz acima de qualquer outra coisa. Num momento em que as forças armadas precisam desesperadamente de homens e mulheres bem treinados, ele está sempre disposto a avançar. Mas também existe algo de perturbador neste jovem que adora o conflito e que não se sente confortável em casa com a família. Interrogado sobre o que lhe é mais difícil quando regressa a casa, responde: “Ter que viver com outras pessoas”

O sargento Robert Lakes de 39 anos sabe que a guerra o mudou. Depois de regressar de longos 52 meses  no Iraque e nesse tempo ter desfeito um casamento de 18 anos,Lakes já planeja voltar ao campo de batalha.Agora está namorando com Pamela Doss de 38 anos. Eles se conheceram através do Facebook e perceberam que partilhavam muitos interesses e características — o amor pelas motos Harley-Davidson, o gosto por gomas de mascar. Entrou na relação sabendo que ele partiria em repetidas comissões de serviço. Mas gostaria que fosse de outro modo. “Encontrei finalmente alguém compatível comigo e agora tenho de partilhá-lo com o resto do mundo.”

Lakes podia ter conseguido transferência e evitado outra missão. Mas tal como outros soldados que optam por mais missões, sente que os seus camaradas dependem dele. “Não há mais ninguém na unidade a fazer o meu trabalho”, diz ele. “Não tenho alternativa.” Nunca foi a uma consulta individual de psicologia, mas já telefonou para um centro de apoio chamado Military OneSource para conversar sobre problemas de divórcio e, de uma das vezes, sobre o stresse devido às missões sucessivas, quando ficava “em casa pouco mais do que um mês”.

Muitos militares dizem que não é o número de missões que os afeta, mas sim a duração de cada uma. O exército tem as missões mais longas, geralmente obrigando os soldados a ficarem um ano ou mais. A oficial do serviço de informações Jessica Ohle, de 42 anos, atualmente destacada em Fort Bragg, na Carolina do Norte, esteve 39 meses no teatro de guerra (além de um período suplementar nos Bálcãs e no Kuwait), e quer continuar a participara das missões. Mas também quer permanências mais curtas. “Quando fui para a Bósnia em 2001, foi numa missão de sete meses e lembro-me de pensar que era muito tempo”, diz ela. “Mas depois aconteceu o 11 de Setembro e passamos a fazer 12 meses. Agora sete meses parecem-me um sonho.”

Parte do problema com as missões prolongadas é o stresse de conseguir voltar a uma vida normal depois de se regressar a casa. “Quando se está longe tanto tempo, toda a nossa vida fica em suspenso”, diz Ohle. “Não podemos planejar nada.” Isso pode ser bom quando se é solteiro mas Ohle namora com outro oficial do serviço de informações que está numa companhia diferente. Conheceram-se durante um exercício de instrução há muito anos e depois, em 2006, passaram alguns meses juntos downrange, como Ohle chama à zona de combate. Depois disso o namoro continuou à distância. Estão agora juntos desde Fevereiro e Ohle julga que o namorado será enviado para nova missão de serviço durante este Verão.

Sempre que regressa aos Estados Unidos, Ohle enfrenta um choque cultural semelhante ao de qualquer pessoa que regresse de um país estrangeiro. Fica desconcertada com a seleção de alimentos nos mercados e o número de pessoas que vão às compras. Mas ao contrário dos viajantes normais, também precisa manter a sua impaciência sob controle. “Quando alguém com um carrinho de compras atravessa à nossa frente, não é aceitável dar-lhes um grito para que saiam do caminho”, diz ela. “Interagir com as pessoas exige uma reposição a zero.”

 Tanto o sargento McBride como a sua mulher sabem que ele apresenta alguns sintomas de SPT. É sempre difícil nos primeiros tempos, quando regressa a casa de uma missão no estrangeiro. Depois da última, ela lembra-se de ter deixado cair um cesto de roupa. Ele desatou a gritar dizendo-lhe para nunca mais fazer aquilo. “Já se preparava para se atirar para o chão”, diz ela, como se estivesse se protegendo de um ataque iminente. “Passado três meses, ele volta ao normal.”

Star compreende o que o irrita na vida doméstica. “Há as contas; aqui somos depenados a toda a hora”, diz ela. “A vida quotidiana, as pequenas tarefas e tudo isso.” Ela lida com os afazeres diários — incluindo telefonemas para os bancos, para o serviço de TV a cabo, etc. “Ele é um tanto anti-social”, explica ela. “Tudo para ele é um tédio.” O sargento contesta: “Não sou anti-social, só não gosto de ter de lidar com estranhos.”

Talvez ele tenha sido sempre um pouco assim. McBride entrou para o exército em 1996, quando tinha apenas 18 anos. Isso aconteceu depois de ter abandonado a escola secundária e de a mãe o ter expulsado de casa, diz ele. A mãe ficou contente por ele se alistar: pensou que lhe fazia muito bem a disciplina. Fez uma primeira missão na Coréia e teve um filho da primeira mulher. Mas voltou aos Estados Unidos no 11 de Setembro para levar a mulher a uma intervenção cirúrgica nesse dia. Deixou-a na clínica e foi fazer um break fast num Mcdonalds, onde assistiu pela televisão à queda das torres. Foi depois buscar a mulher, deixou-a em casa e disse-lhe: “Desculpa, tenho de ir trabalhar.” Na base havia grande excitação. “Todos sabíamos que íamos para a guerra”, diz ele. “Estávamos todos muito entusiasmados com essa perspectiva.”

Agora está no seu quinto ano de casamento com Star e vai entrar na sua quinta missão. Star sabe agora lidar com os seus humores e tenta não o surpreender muito. Gosta que ele seja uma figura de autoridade que lhe pode dizer “não”, algo de que ela “sentiu falta ao crescer”. Quando comprou um cachorro durante uma das missões dele e o animal lhe roeu o carpete, Star enviou-lhe um e-mail com uma fotografia e a legenda: “Não mates o cão.” Shaun admite que ficou “chateado” mas acabou por adorar o cão.

Star sabe que o marido é menos carinhoso do que outros homens, que mostram grande carinho pelas suas mulheres. “Encontro-os a toda a hora e penso — mas vocês existem mesmo?”, diz ela. “Emocionalmente ele é bastante fechado. Por vezes sinto-me mais só quando ele está do que quando vai para fora.”

Ao longo das diversas entrevistas, houve dois momentos em que o sargento McBride deixou cair essa postura de tipo duro. O primeiro foi quando chorou ao recordar o 11 de Setembro. O segundo foi quando mencionou que na sua próxima missão vai ter um trabalho de secretária organizando as posições dos soldados “fora do aquartelamento”. Para grande surpresa da mulher, ele explicou que estava “disposto a fazer um intervalo na ação direta”.

 Contudo, McBride insiste que as missões não o desgastam psicologicamente. “Se uma pessoa precisa de ajuda, só tem de pedi-la”, diz ele. “Fazemos sessões de prevenção de suicídio mais ou menos de dois em dois meses.” Mas ele menospreza os suicidas: “É apenas um bando de gente fraca.” Nunca foi a um psicólogo? “Nunca fui a uma consulta individual de psicologia”, diz. Star intervém, no seu modo franco e simples de falar. “Mas ele precisa. Escreva lá isso.” Shaun ri! “Como queiras.”


Autor: D.Stove, E.Conant e John Barry
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Existe 1 comentário para esta publicação
quarta-feira, 30/9/2009 por Neuza_Santana
Grande Cobertura ,Grande Jornalista
Uma das profissãoes mais sofrida e exercidada por grandes Herois.
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