Publicou caricaturas nas colunas do “New York Times”, da “Rolling Stone” e, mais recentemente, do “The Independent”. Mas o seu nome ficará para sempre ligado ao do infame jornalista/escritor Hunter Thompson e a um estranho conceito, perdido entre a literatura e o jornalismo — o gonzo.
Corria o ano de 1970, o jornalismo gonzo brotava das cinzas
dos anos 60, em pleno ‘reinado’ de Richard Nixon, expondo a falsa moralidade da
maioria silenciosa num frenesi ébrio, relatado na primeira pessoa. Tudo começou
com a publicação do seminal artigo “The Kentucky Derby Is Decadent and
Depraved”. A realidade exagerada e os fatos distorcidos trouxeram ao mundo um
novo conceito de cobertura jornalística e de obra literária, fruto da
improvável simbiose entre um lunático jornalista/escritor e um tímido
ilustrador britânico. A idéia era retratar a decadência moral do interior dos
Estados Unidos numa corrida de cavalos (o
Kentucky Derby).
A dupla acabou por encontrar o paradigma da decadência no espelho do bar que servia os espectadores. “Isso é o gonzo, envolver-se na história de uma forma caótica, mas eu tinha uma bela definição escrita num papel algures.” Esta é a definição mal amanhada que Ralph encontra para a palavra que o tornou conhecido no mundo inteiro. Depois da publicação de “The Kentucky Derby...”, as gravuras de Steadman atingiram o pico da fama com a publicação do notável “Fear and Loathing in Las Vegas”, escrito por Thompson e traduzido para cinema em 1998 pelo cineasta Terry Gilliam.
Ralph Steadman nasceu há 73 anos, no dia em que rebentou a Guerra Civil de Espanha. Hoje, vive com a esposa em Kent, Inglaterra, numa mansão vitoriana onde mantém o seu estúdio. Foi aí que recebeu nosso telefonema. Assim que percebeu que estava um jornalista do outro lado da linha, suspirou de tédio. Mas, passados dois minutos, a entrevista parecia uma batalha de gargalhadas, só faltando duas cervejas para acompanhar. Ralph é um homem com um sentido de humor cáustico, que transpira, com naturalidade, para o seu trabalho. Curiosamente, a entrada no mundo artístico foi pela porta dos fundos, quando chumbou a Arte na escola. “Eu não sabia desenhar, era péssimo. Tive de aprender a dominar os erros e a usá-los em meu proveito.” De fato, conseguiu. A mesma escola que no passado o reprovou tem hoje um estúdio de desenho com o seu nome.
Para Ralph, a experimentação é sinônimo de divertimento e
apuramento de técnicas. Foi assim que descobriu que conseguia fazer caricaturas
numa polaróide, manipulando os químicos fixadores, e que os borrões de tinta,
algo que acabou por se tornar uma das suas ‘assinaturas’ de estilo, podiam dar
um flash de demência aos desenhos. Mas, mesmo no manuseio do imponderável,
Ralph é metódico. As manchas, aparentemente espontâneas, resultam de um
espasmódico movimento de pulso.
Outra característica da visão de Steadman é a forma grotesca como, normalmente, retrata as ‘personagens’. Assim, surgem imagens de humanos com semelhanças físicas com répteis. O caos sanguinário domina as representações de figuras políticas ou de gananciosos empresários, e o lado hediondo da natureza humana passa a ter correspondência física. A fealdade que vê nos políticos é um reflexo da visão que tem do mundo. Quando questionado como se situa politicamente, Ralph responde: “Extrema-direita.” Para no instante seguinte soltar uma sonora gargalhada. Não alinha em blocos políticos e também não se entusiasma com a esquerda moderna europeísta. Também declina a violência da anarquia. “A única situação onde uso violência é na criação.” Ou seja, não tem posição política, nem acredita nos políticos, que “mais parecem relações públicas de interesses econômicos”. As palavras são do homem que fez uma das mais ultrajantes caricaturas de Richard Nixon e que quase foi apanhado pela Polícia, numa aventura psicodélica com Thompson, quando tentava escrever a spray impropérios contra o Papa num veleiro, durante a prestigiada regata America’s Cup.
Políticas à parte, a musa de Ralph é versátil ao ponto de inspirá-lo a escrever e desenhar livros infantis ou uma aventura itinerante pelo mundo dos vinhos. Em 2006, um ano depois do suicídio de Hunter Thompson, Steadman publicou um autêntico elogio fúnebre ao amigo, em forma de livro. Chamou-lhe “The Joke’s Over” (“O Fim da Piada”). A obra é um apanhado das memórias passadas entre o cartunista e o escritor. Mais uma vez, Ralph não se fica pelas imagens e aventura-se pelo universo das palavras, apesar da frase de Thompson que, ironicamente, abre o livro: “Não escrevas Ralph. Trarás vergonha à tua família.”