HÁ 40 ANOS que o Verão em Arles quer dizer Fotografia. A pequena cidade do Sul de França
transforma-se durante dois meses e meio na montra mundial de uma arte que tanto procura caminhos como avança passos firmes. Alinham-se tendências, despertam-se
novos olhares, reafirmam-se valores, numa amálgama de exposições que servem a
reflexão e a discussão: em que mundo vivemos?
A resposta não é fácil. A edição do Festival Internacional
de Fotografia de Arles 2009, iniciada a seis de Julho e com data de encerramento
marcada para 13 de Setembro, aposta em 66 exposições, onde se juntam artistas
da Europa, da América, da África e da Ásia. Não há linhas homogêneas. Os
enquadramentos culturais não o permitem. Mas há traços que atravessam
fronteiras.
Num primeiro olhar, a solidão do eu ou a exortação
do umbigo surgem como o traço que percorre mais cruzamentos, ancorado num déjà
vu que associa sexo, droga e álcool (o glamour do rock’n’roll já desapareceu).
Os norte-americanos David Armstrong e Jim Goldberg, o francês Antoine D’Agata,
os suecos J.H. Engström e Anders
Petersen (“PARIS”, 2001) marcam
de forma premente essa linha estética em distintas apropriações da realidade.
Se o mundo de D’Agata se fecha em si próprio, assumindo o fotógrafo o
protagonismo de uma sociedade sem amanhã e que vive entre paredes esconsas de
bordéis sempre iguais, onde um corpo ou uma seringa significam o mesmo,
Petersen toma a posição do voyeur e deixa-se vaguear por mundos alheios, assumindo
uma proximidade mais distante. Se Engström se centra no seu universo afetivo e cotidiano,
Goldberg enfatiza a experiência de vida de quem fotografa. Está sempre lá a
decadência das relações humanas. A diferença encontra-se nos limites a que ela se
atém ou que ela ultrapassa, puxa ou empurra. O extremo aparece com o primeiro
trabalho do norte-americano Leigh Ledare,
33 anos, “Pretend You’re Actually Alive”. O fotógrafo assume abertamente o
incesto e expõe de forma impactante a sua relação sexual com a mãe. A arte não
é (nunca foi) moralista...
O contraponto a este primeiro olhar faz-se através
de leituras mais acutilantes de um mundo cujas fronteiras já não se cingem ao
eu e ao tu, ou ao outro, mas se abrem ao nós. A confrontação com esse mundo real
é a única forma possível de partilha. A comunhão do abismo, do caos pessoal,
político, social, religioso, ideológico aninha-se entre a consciência e a
esperança, como um arrepio gelado ou tórrido. Individual. Coletivo. Esse é o
universo de “Bone Lonely” e “Far Cry” (em formato de projeção vídeo), de Paulo
Nozolino, onde o público de Arles se amontoa para beber sofregamente uma água
que contamina, contagia e seduz. É um murro no estômago e um suspiro de alívio.
Um mundo pisado, repisado, mais uma vez pisado, que transfere para a fotografia
linhas de pensamento alinhadas em forma de poesia. A denúncia substitui a
apologia. O documento sobrepõe-se à vida privada.
Espaço ainda para um terceiro olhar, o de Rimaldas
Viksaitis, lituano, deficiente motor, Prêmio Descoberta 2009. Junto à fronteira
com a Rússia, o fotógrafo retrata o cotidiano de gente no limite da pobreza, na
dependência do álcool, num reino de consanguinidade grotesca, infantil e
romântica a um só tempo.