Allen, que tem apreço pela
afirmação clara da hierarquia e da autoridade, lança agora um novo disco,
“Secret Agent”, e se vai à busca de alguma fusão da disciplina hipnotizante do
afrobeat com sabores do hemisfério norte fica já o aviso: é tempo perdido.
“Secret Agent” revela novas camadas de mecanismos internos e aprofunda a
capacidade de persuasão a cada audição. É um disco que pede disponibilidade. A
conversa com Tony Allen ocorre no dia seguinte a um concerto no Parque del
Alamillo, em Sevilha, inserido num festival de música africana. Ele e a sua
banda tocaram já de madrugada, numa apresentação breve e bem mais tardia do que
o previsto — uma combinação que o deixou suficientemente aborrecido para,
escassas horas de sono mais tarde, ainda remoer sobre o assunto.
Como quer que “Secret Agent” seja lembrado?
É apenas um dos meus álbuns. Não o vejo como algo
especial. Tal como outros discos que gravei, é parte do meu trabalho. O que não
quer dizer que eu não dê sempre cem por cento. Porque com o Tony Allen as
pessoas sabem com o que podem contar — é essa a impressão que quero transmitir.
Mas sem ficar estagnado. Porque eu também gosto de surpreender; não quero é
fazer surpresas estúpidas ao meu público. Têm de ser surpresas aceitáveis. Nada
de truques baratos... Exatamente.
Com a crise profunda da indústria discográfica, consegue ganhar dinheiro
com a venda de CD?
A única mais-valia de fazer discos hoje em dia é o
próprio disco em si. Já nada tem a ver com o passado, quando um artista fazia
um disco, as vendas eram boas e ganhava-se bom dinheiro. Não penso muito nisso.
Agora, a música é gratuita, mas, se tivermos uma boa banda ou formos bons
artistas, as pessoas ainda se esforçam por comprar o álbum, por tê-lo nas mãos
como um souvenir. Se nos limitarmos a sacá-lo da Internet e a pô-lo num leitor
de mp3, não teremos esse álbum. Teremos as canções, mas nada para tocar
fisicamente, para sentir. Mas nós somos uma banda de palco, não temos muito a ver
com o negócio dos discos. Os discos são pretextos para dar mais concertos. Sim,
sim. Os álbuns não me vão fazer rico. Mas às vezes nunca se sabe: este mercado,
nos nossos dias, é muito surpreendente. E se quisesse mesmo ser rico não faria
música. Aprendia outra coisa. Seria médico, cirurgião, dentista, algo desse
gênero.
O que é que o enfurece atualmente?
Não
costumo enfurecer-me a sério, mas se me vir irritado é porque, provavelmente,
alguma coisa não está correndo conforme os meus desejos. Especialmente quando
se trata de música e em palco. Quando a música não é feita como eu quero,
zango-me. Eu não falo muito, por isso tendo a negligenciar muitas coisas. Faço
de conta que não vejo. Por muito mau que seja, faço de conta que não vejo, para
que possa sentir-me melhor. Enfurecer-me? Para que haverei de me enfurecer? O que farei a essa altura? Matar
alguém?
Há planos para um segundo álbum de The
Good, the Bad and the Queen?
Não.
Depois do primeiro disco, já trabalhamos em mais material. Está pronto, mas não
será um disco de The Good, the Bad and the Queen. Foi feito pela mesma
formação? Não, foi só o Damon [Albarn] e eu, mais alguns convidados. Mas sem o
Paul Simon e o Simon Tong. Não temos conversado, por isso não faço idéia quando
será editado. Neste momento, o Damon anda muito ocupado com os Blur e teve de
finalizar o álbum dos Gorillaz. E eu também ando muito ocupado. Mas já temos um
esboço, a que poderemos voltar no futuro.
No press de “Secret Agent”, você diz que
compõe como um baterista. Em que é que isso se diferencia de compor como um
cantor, que é como você diz que Fela Kuti fazia?
Quando o
Fela escrevia uma canção, a bateria era a última coisa a entrar. Comigo é exatamente
ao contrário: construo tudo a partir da bateria. Nenhuma melodia me passa pela
cabeça antes de desenvolver o padrão da bateria. A diferença é enorme.
A opinião geral é que o afrobeat nunca teve
uma influência tão grande no pop-rock americano e europeu como nestes dias. Já
ouviu algum artista novo a levar o afrobeat em direções modernas e
interessantes?
Já se fez
o suficiente no passado [a partir do afrobeat], com o dub, a samplagem... Isso
não me aborrece. Muita gente já tocou muitos estilos de música (reggae, rock,
pop, funk), mas quantos músicos no mundo tocam afrobeat? Pouquíssimos. Hoje em
dia, muita gente aproxima-se do afrobeat por uma questão de estilo, mas, se as
pessoas tentam o seu melhor, eu não tenho quaisquer objeções em relação ao rumo
para que o queiram levar.
Nunca se deparou com algum som original que
gostaria que tivesse sido a inventar?
No
afrobeat? Não. Quando ouço afrobeat feito por outras pessoas, fico pensando: “O
que está errado aqui?” E o que está errado é sempre a bateria. Para que um
baterista consiga tocar afrobeat em condições, tem de aprendê-lo comigo, tem de
aprendê-lo na minha escola.
Já cruzou o afrobeat com outros sons,
nomeadamente com hip-hop, no álbum “Homecooking”, de 2002. Há mais algum estilo
que gostaria de misturar com o afrobeat?
Por agora,
quero manter-me nas raízes. Já fiz misturas suficientes no passado. Não me
apetece fazer mais experiências. Talvez o próximo álbum seja um álbum de jazz.
De afrobeat, mas com jazz. As pequenas formações empurram-me mais para o jazz.
Quando se tem uma banda muito alargada, as coisas tendem sempre a tornar-se uma
sinfonia [risos].
Como gostaria de ser recordado quando
deixar este mundo?
Como uma lenda da bateria. Só isso. O meu legado é a minha forma de tocar bateria.