Dizer que Brasília se parece com alguma cidade que você conhece é, no mínimo, curioso. Brasília não se parece com nada, tem forma muito própria e tão radical que não convive com meios-termos: ama-se ou detesta-se. Alguém que lhe afirme ter achado Brasília “mais ou menos” não prestou atenção e saiu de cena antes de cair a ficha. Assim, viver na capital é, quando pouco, peculiar – pode-se até dizer que, em termos de experiência, uma atitude bastante enriquecidora.
O glamouroso Rio de Janeiro ainda sediava o centro político-administrativo do Brasil quando o urbanista Lúcio Costa, já falecido, foi apresentar à comissão julgadora do governo JK seu projeto de desenho da nova cidade. No papel, nada de desenhos técnicos com escala: apenas uma cruz. Lúcio Costa havia sonhado com isso e captou, quem sabe, uma das previsões de Dom Bosco. A idéia, definiu ele na época, “nasceu de um gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzados em ângulo reto”.
Vista geral – Logo que se chega a Brasília, não há como deixar de perceber que você está entrando em um terreno singular. Se vier por via aérea, ótimo: do avião é possível entender a cruz de Lúcio Costa no traçado urbanístico. Do avião, avista-se o avião que a cidade é. De dia ou à noite, é emocionante. Quem vem de ônibus, desce em um lugar estranho, misto de rodoviária com estação de trem – a rodoferroviária, lugar pouco charmoso como boa parte das rodoviárias do país. Chegando de carro, de qualquer direção, logo num primeiro momento você percebe que está entrando em um outro mundo ao ver as placas de sinalização esclarecendo: “Caro visitante, no DF evitamos buzinar”. Acredite se quiser: é assim mesmo que funciona.
Diferentemente da maioria das cidades do mundo, que foram se formando na medida da ocupação, Brasília foi feita para que nela viessem morar. Isso significa que, salvas as imprevisibilidades como o inchaço populacional, a cidade flui. Quem quer sentir Brasília deve, antes de qualquer coisa, dirigir pela cidade. É um deleite.
Pistas largas e resolutas, retornos bem planejados e uma lógica matemática levam você a qualquer lugar desejado, sem complicações. Gente que não gosta de dirigir, não raramente, aprende a considerar o ato prazeroso quando sai de carro em Brasília. Mesmo nos horários de pico, quando o trânsito é lento, sente-se estar em um lugar civilizado. Bem diferente de cidades como Vitória, Belo Horizonte e tantas outras onde sem buzina o motorista não é respeitado, aqui a lei do silêncio relativo vigora. Com raras exceções, os motoristas são educados e o pedestre pode atravessar sem susto nas faixas, pois todo mundo pára – ou é multado.
Boas caminhadas – Passeios de carro “easy rider” podem levar qualquer cidadão a descobrir os cantos da cidade – mas as caminhadas também dão uma idéia mais próxima do que vem a ser este universo tão peculiar. Brasília é uma cidade ampla, esplendor do cerrado, onde o céu parece mais baixo do que o das outras cidades e onde se tem vista panorâmica de diversos pontos. Com claras delimitações geográficas, a cidade deixa muito bem situados todos os pontos cardeais. Detalhe importante é que o morador de Brasília tem o privilégio de respirar um ar puro, o que aumenta o prazer da caminhada e o movimento de sintonia com o local.
“Mas em Brasília você não vê gente nas calçadas”, há de lembrar alguém. Não é bem assim. Primeiro, porque ainda não estamos na era dos Jetsons, em que as pessoas só se locomovem por via aérea. As calçadas, existem na medida necessária nos setores comerciais e residenciais. Nada de calçadão, que não tem a ver com a funcionalidade. “Mas não tem esquina!”, esbraveja outro mito. Também não é exatamente assim. Nada como caminhar pela cidade para sentir como ela funciona e entrar no ritmo.
Caminhar ou pedalar são duas pedidas salutares em uma cidade como Brasília. O conceito original de urbanização elaborado por Lúcio Costa – “levar um pouco da cidade para o campo e trazer um pouco do campo para a cidade” –, embora não seja seguido à risca, existe e colabora para tal. Brasília ainda tem algo de cidade pequena, e se dá bem quem consegue ver isso pelo lado bom e não pelo pejorativo. Caminhe por aqui, enturme-se com o jornaleiro, a japonesa da quitanda, o italiano da padaria, a madame que só faz cabelo e unha naquele salãozinho discreto em sua quadra... E entenda.
De um tudo – E o que mais se faz em Brasília, além de trabalhar? (E entenda-se aí o trabalhar de verdade, não aquele que situa entre aspas algumas horas de funcionários fantasmas ou beneficiários de mordomias dignas de roteiro de “O Bem-Amado”). Não é nenhuma São Paulo, mas come-se bem para quase todos os gostos. Não tem praias, mas bons restaurantes asseguram a qualidade e o frescor de crustáceos, peixes e da fauna marinha em geral à mesa. Não caia na simplória tentação de comparar, porque nada se compara – principalmente a Rio e São Paulo –, mas esteja aberto e a cidade lhe sorrirá.
Brasília é terra de vários públicos. Tem pagoderia, “point” de forró, ambientes para gente refinada, caretas, descolados, GLS e tudo o mais. Tem um belo teatro – o Cláudio Santoro – com boas salas, muitas tocando e diferentes espaços para se ouvir, bons ciclos de cinema – e um Festival Nacional, anual, que reúne o que de melhor se faz no país –, uma academia de tênis que funciona quase como uma cidade à parte, com quadras esportivas, piscinas, resort, restaurantes maravilhosos e salas de cinema que parecem salões VIP... E muito mais. Quem procura, acha.
Tem mais: Brasília, não por acaso, foi construída no coração do Brasil. Daí que o seu circuito energético, alternativo, é tão amplo como se apresenta a própria cidade. Para começar, lembre-se de que a unidade é Distrito Federal, mas a cidade está situada, e muito bem situada, em Goiás. Ganha-se uma BR e logo ali se chega a Pirenópolis, à Chapada dos Veadeiros, a Goiás Velho, de Cora Coralina, e a trilhas de cristais por todos os cantos. Cachoeiras também serpenteiam por essas trilhas.
Flores da seca – Graças a Deus. Porque, como tudo tem mais de um lado, Brasília padece de um mal sazonal que é a seca. Ela vai chegando devagarzinho por volta de junho e atinge o seu apogeu causticamente em agosto-setembro. Quem conhece, já percebe os primeiros sinais: o asfalto vai ficando oleoso, o verde adquire um tom amarelo-ocre, os pássaros descem das árvores e começam a procurar comida no chão, a umidade baixa, o ar sobe pelas narinas queimando, a pele fica ressecada, pequenas tonturas fazem visitas ocasionais e uma ligeira sensação de ressaca sobrevoa o cotidiano.
Calma, que é passageiro e tratável. Faz parte do ciclo da natureza. E esta, mais sábia do que costumamos reconhecer, cuida inclusive de fazer com que determinadas espécies vegetais – flores rasteiras e de árvores belas e coloridas – inventem de nascer justa e somente na seca.
É um outro lado que não se deve ignorar. Brasília é isso aí, lado a lado. Longe das referências mais corriqueiras do país, também é lugar que favorece as reflexões.
“Quem não descobrir qual é a sua em Brasília, não descobre em outro lugar”, afirma Ney Matogrosso, que morou aqui nos anos 60. Por aí. Quem não gosta compõe outra ala. Quem vem com olhos, coração e braços abertos costuma não querer mais sair. Mantém-se a antena no mundo e respira-se a sensação de que “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”, como diz a música de Gil. Brasília é uma singular vivência que vale a pena sorver. Sem qualquer contra-indicação
|
|
a capital-coração do Brasil
Na bela Catedral, um lugar para a reflexão dos homens que dirigem o país
Dois símbolos indispensáveis: a bandeira do Brasil e o Memorial em homenagem a JK
Rampas para todo tipo de “subidas”
Pelo Banco Central e a sede dos Correios, transitam os nossos destinos
|