Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 287
Data:
31/7/2001
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» Índice
» EDITORIAL
A consolidacão da qualidade
» AUTOS
Spyker perfeição sob medida
» RIO CLASSE A
Foi no Copacabana Palace, que se realizou o jantar beneficente em prol da Vida Obra Social
» TURISMO
Bahamas Paradise Island
» TURINOTAS
Vasp cresce 13,2%, apesar da instabilidade econômica que abala o Brasil e o mundo
» BOCA MIUDA
BOCA MIUDA
ENTREVISTA

O principal da vida de Bell Marques é que ele tem o sobrenome Chiclete com Banana. Esse privilégio, que resulta de uma longa caminhada de20 anos,o vocalista da banda mais premiada do Carnaval brasileiro credita a um trabalho sólido. A trajetória desse grupo, que é referência para muitos artistas por apresentar uma postura extremamente profissional, resulta em um sucesso estrondoso confirmado por mais de 5 milhões de cópias vendidas. Por trás dos cabelos cacheados, presos por um bandana, marca que o identifica, está o maior brilho do Chiclete com Banana. É um empresário com enorme talento artístico, como bem define Aninha, sua esposa e companheira de 20 anos. Segundo o próprio, uma pessoa importante para ele mesmo, sua família e amigos. Sem estrelismos, apesar de ter chegado lá e conquistado tudo e muito mais que queria — como uma belíssima residência, casa de praia e mais uma nova aquisição, a compra de uma ilha — esbanja simplicidade, simpatia e bom humor. “Não me sinto artista nem um astro. Muitos acham que eu sou um Deus, rezam para mim, me referenciam. Eu agradeço isso todos os dias, mas sei que não sou Deus. Tenho os pés muito bem plantados no chão.”  
- Conte um pouco da sua história. Todo mundo sabe quem é você, conhece o músico, mas o pai de família, o cidadão...  
- Eu nasci no Terreiro de Jesus, no Centro de Salvador, nº 11. Tenho mais três irmãos e morei uma parte do tempo em um local chamado Tororó, no Amparo do Tororó, 120, e vivi uma belíssima de infância por lá. No Tororó, foi quando eu comecei a despertar parta essa coisa do violão. Eu acho que isto desperta a partir do momento que você começa a sua adolescência, começa a querer cantar e encantar as meninas do bairro. Roberto Carlos era o auge da época. Eu cantava todas as canções de Roberto Carlos porque realmente eram muito interessantes. E daí vem Renato e seus Blue Caps. Eu vim cantando, meus irmãos já faziam parte, minha mãe era uma pessoa que gostava muito de cantar. Eu ouvia muito minha mãe cantando e nunca achei que tivesse uma tendência musical muito grande, porque na minha família não tinha alguém que tivesse despontado musicalmente.  
- Sua mãe foi a maior incentivadora?  
- Minha mãe sempre foi uma pessoa muito incentivadora neste aspecto. Ela incentivava os meus irmãos, que eram mais velhos, a tocar e também tocava instrumentos com eles.  
- Vocês eram da classe média?  
- Sim, da classe média. Depois passamos por uma crise muito difícil na nossa vida. Viemos da média para a baixa, mas sempre nessa luta. Daí eles tinham esse grupo, começaram a tocar e trabalhar. Esse grupo chamava-se Elétrons e chegou um momento que um dos componentes saiu e eles quase chegaram a se desfazer. Aí, Vadinho, meu irmão, disse que eu tinha que aprender a tocar teclado, porque quem estava saindo era um tecladista.  
- Depois do violão, veio o teclado para compor a banda?  
- Eu tocava muito mal o violão e ainda tinha que aprender a tocar teclado em uma banda. E o pior não era isso, precisava aprender em 15, dias porque eles tinham um show programado para uma cidade do interior da Bahia. E eu fui. Aprendi os acordes naturais, os primeiros que eu não sabia dar e comecei a tocar. Solei algumas canções. Daí, nós juntamos esse grupo que se acabou porque Wilson meu irmão saiu para estruturar a vida dele. Não queria mais cantar. Saiu para casar.  
- Então vocês continuaram com outra banda?  
- Nos juntamos com um grupo chamado Scorpius, onde tinha dois músicos. Eu entrei com Vadinho, meu irmão, pois toda a banda Elétron se desfez. Segui tocando teclado, mas nós perdemos um guitarrista muito bom, o Luiz Brasil. Um dia, estava no Carnaval com a minha mulher Aninha, em paquera ainda, na avenida Sete, quando dobrou, ali na Casa de Itália, um trio elétrico, o de Dodô & Osmar. Foi na época do Pombo Correio e vinha em cima o Moraes Moreira, um dos grandes ídolos e referência da minha vida. Caetano Veloso vinha em cima desse trio com Armandinho, Aroldinho, todos eles com Osmar. E quando eu virei – aquela imagem não me sai da memória nunca –, vi que eles traziam uma alegoria na frente: era uma pomba enorme batendo as asas, simbolizando a música Pombo Correio, que foi um sucesso estrondoso naquele Carnaval. Eu olhei para aquilo e fiquei encantando. Fiquei olhando para aquilo, não sabia o que dizer. Não sabia se eu chorava, se sorria. Eu fiquei olhando para aquilo, encantado. Acho que é como as pessoas ficam comigo hoje. Fiquei assim naquele momento e aí decidi que aquilo seria minha vida.  
- O trio de Dodô & Osmar fez você despertar?  
- Eu saí dali dizendo que ia entrar naquele mundo. Achava que aquilo ali ia ser o próximo passo da minha vida. Eu tinha que fazer parte desse mundo. Saí dali e vim embora para o local de encontro, onde a gente se reunia, que era uma boate. E falei para o pessoal que a gente ia mudar a banda completamente. Vamos deixar de ser banda de rock and roll e vamos montar um trio elétrico.  
- Como estava a situação financeira da banda na época?  
- Nós estávamos falidos, devendo muito, sem dinheiro nenhum. Estávamos quebrados. Isso foi em 1979, por aí. Eu assumi diretamente as rédeas disso e fiz uma mudança logo ali dentro da banda. Pela tendência do músico, mudei a banda e a estruturei para cima de um trio elétrico. O guitarrista – que era Rey, e atualmente baterista, de novo – a partir daí passou a tocar percussão. O contrabaixista, um amigo nosso que não faz mais parte, era Gato, que tocava baixo e foi tocar guitarra baiana. Ele tinha uma tendência para o cavaquinho, tocava um pouquinho. O outro irmão dele, que era Adams, que está nos Estados Unidos, era baterista na época e tinha também uma leve tendência para instrumento de cordas, o bandolim. Aí, eu o passei para a guitarra baiana. Eu, que era tecladista, e naquela época não tinha teclado no trio elétrico, passei a tocar contrabaixo. E Vadinho que era guitarrista passou a fazer locução e tocar um instrumento de percussão. Juntamos mais pessoas e começamos a ensaiar. Montei esse grupo, cantava e imitava Moraes Moreira que passou a ser o meu grande ídolo, minha referência na época de Chão da Praça. (ele canta: “olhos negros, cruéis, tentadores). E eu tinha que colocar isso em ação. Não tinha trio elétrico, não tinha dinheiro, só tinha a intenção.  
- Quando a banda fez sua estréia tocando em um trio elétrico?  
- Eu fui para a rua e alguém passou no meu ouvido e disse: existe um bloco na Barra que está precisando de um trio elétrico. Era o bloco Trás os Montes, na época o melhor conceituado pela elite da Barra, como é hoje, como referência, o Camaleão. Fui à diretoria e disse que tinha um trio elétrico, uma banda e que queria tocar com eles. Aí, eles me perguntaram: que trio elétrico? Eu não tinha trio elétrico nenhum. Inventei que tinha comprado uma carroceria do grupo Novos Baianos, que tinha saído no ano anterior. Inventei uma desculpa. E disse, também, que tinha um som. Inventei uma mentira lá qualquer. Mas, como dizem que toda grande mentira dita a seu próprio favor é uma grande verdade, fui me baseando nisso. E dentro da diretoria deles existia um componente que conhecia a Banda Scorpius tocando rock and roll. Era um dos diretores, chamava-se Ary e achava a banda boa. Já tinha visto a gente tocando rock, não tocando Carnaval. E esse aval foi uma coisa importantíssima nessa reunião. E eles me pediram um preço e eu dei. Não me lembro qual foi, mas não era nada absurdo. Eles ficaram de pensar e, quando eu voltei na próxima reunião, me disseram que não queriam o meu trio elétrico e sim a nossa banda. O trio elétrico seria o Tapajós, que é um dos grandes ícones do Carnaval da Bahia.  
- O que fazia sucesso era o trio elétrico, em vez do grupo musical?  
- Naquela época, na verdade, não era o grupo musical que importava. O que representava era o nome do trio elétrico. E todo bom baiano, que já fez sucesso, já subiu ou fez o seu sucesso em cima do trio elétrico Tapajós. Ele foi a grande escola dos trios elétricos da Bahia. A nossa estréia foi logo em seguida, numa das apresentações que aconteciam na Barra, que eram uma mostra dos blocos. Como não havia 60 blocos, como tem hoje, eram bem menos, os melhores se apresentavam e faziam aquelas apresentações-relâmpagos para influir na venda de abadás, que na época eram macacões.  
- Como foi a primeira vez em cima do trio?  
- Foi horrível, porque nós não tínhamos costume. Não era como hoje, todos juntos. O trio elétrico era dividido. Por isso que é trio. Em cima ficavam as duas guitarras baianas e o contrabaixo. A percussão ficava nas laterais. Não havia aqueles montes de caixas de som nas laterais e sim um monte de homens. E bem em cima ficavam aquelas bocas de alto-falantes, aquelas que se usavam em poste, de metal, porque o trio elétrico não cantava, só tocava. A percussão foi um desastre. A gente tocava uma coisa em cima, e do lado o ritmo era outro. Ninguém conseguia se entender. Eu desci com uma dor de cabeça horrível. Olhei para trás na porta do trio elétrico, soltei um palavrão e disse: amanhã todo mundo ensaiando. Estava com raiva de mim mesmo.  
- Como eram os ensaios?  
- Nossos ensaios passaram a ser feitos de uma forma diferente. Nós colocávamos os músicos uns de costas para os outros. Por exemplo: como cada lado de um trio elétrico tem cinco percursionistas, a gente ensaiava colocando cinco olhando para a parede, cinco olhando para o outro lado e os músicos de corda no meio, para mais ou menos simular um trio elétrico. Aí veio o Carnaval. E nós fizemos um Carnaval razoável em cima do trio elétrico Tapajós.  
- Qual foi na verdade o grande diferencial da sua banda?  
- Foi no ano seguinte, quando veio o grande boom do Scorpius – ainda não era Chiclete com Banana. Nós resolvemos fazer uma modificação no trio elétrico. Achávamos que o nosso grande forte era o canto. Então, onde havia homens embaixo, nós resolvemos colocar caixas de som. E mudamos o estilo de sonoridade do trio elétrico. Nós começamos a colocar caixas de som que emitiam um som de alta qualidade. O pessoal dos trios elétricos mais antigos começou a dizer que aquilo não funcionaria, que quando chovesse ia molhar os alto-falantes e o som iria parar automaticamente. Começamos a usar aparelhos transistorizados, que na época ninguém usava muito – usavam aparelhos com válvulas. Uma série de coisas técnicas. Mas conseguimos fazer isso e dar uma grande virada no Scorpius. Fizemos um grande sucesso.  
- Como veio o primeiro disco?  
- Surgiu a oportunidade de gravarmos o primeiro disco. Eu resolvi mudar o nome do grupo, porque achava que Scorpius era muito ultrapassado, muito rock and roll. Pedi a um cartunista baiano, o Nildão, que é meu cunhado, uma relação de nomes e entre eles veio o Chiclete com Banana, que ele tinha pinçado da música do Jackson do Pandeiro. Na verdade, nós queríamos um nome que atraísse o interesse das pessoas. Era tudo muito rotulado, americanizado. Nós queríamos alguma coisa que representasse a gente de verdade. Ele, ouvindo as nossas canções, percebeu que tínhamos uma mistura muito grande de ritmos, que ia desde o chorinho acústico até o rock, passando pelo Carnaval. Nós levamos isso para o ensaio, mas houve uma grande rejeição pelo grupo. Eu e mais outro achávamos que funcionaria, outros dois nem tanto, e os demais achavam que não daria certo. Porque o nome Scorpius era bastante conhecido dentro da nossa cidade, tínhamos tocado e feito muitos shows. Mas o grande aval veio do produtor na hora de gravar o disco. Quando disse o nome Chiclete com Banana, ele achou uma maravilha. E fizemos outra grande mudança, porque antigamente fazia-se muito baile. E nos bailes era das onze da noite até quatro da manhã tocando. Eu achava aquilo muito chato. Uma vez fomos fazer um show com o A Cor do Som, no mesmo lugar que a gente tinha costume de tocar. E eles foram, com toda aquela pompa, enquanto nós entramos andando a pé. Nós ficamos analisando: era o mesmo público que colocávamos lá todo sábado, mas o nosso cachê era um terço do valor. Mas eles tinham um disco fazendo sucesso... e eu fiquei pensando naquilo.  
- Então havia chegado a hora de mais uma mudança, a hora da virada?  
- Como era eu que vendia o grupo, carregava caixa do som, cantava, recebia o dinheiro, viajava, tratava com a gravadora, fazia de tudo no grupo, chamei todo mundo e disse que ia jogar uma cartada arriscada. Pode dar certo e pode dar errado. Nós vamos passar por uma situação um pouco ruim no começo, mas teremos que acreditar nisso para virar, senão jamais vamos sair desse ritmo e não vamos conseguir levantar dinheiro nunca. A partir disso, quando eu comecei a ver que A Cor do Som tinha na verdade um mesmo público mas um cachê mais que dobrado, eu mudei. Quando alguém ligava para contratar o Chiclete com Banana eu dizia: tudo bem, mas eu não toco mais de dez até quatro da manhã. Eu lancei um disco, comprei um equipamento novo, uma iluminação profissional e agora só toco duas horas de show e para me contratar tem que colocar uma outra banda. Estou com um grupo fazendo um sucesso absoluto que na verdade não é mais um grupo de baile, é de show. E o cachê não é mais aquele (se era R$ 2 mil eu colocava R$ 6 mil). Só toco duas horas, contrata outra banda que eu vou lotar a sua festa... Com isso, nossa valorização foi imensa. Passamos a ganhar três vezes mais e diminuir nosso tempo de trabalho. E aprendi uma outra coisa na minha vida: quando você paga mais, respeita mais; quando paga menos, respeita menos. Por isso, deixei de fazer shows beneficentes. Por várias e inúmeras vezes dei shows beneficentes e todos que fiz foram um fracasso. Por quê? Porque quando você recebe uma coisa de graça não se empenha para que aquilo tenha um bom resultado.  
- Você mostrou uma excelente estratégica de marketing, mas tinha um produto muito bom...  
- Meu produto era muito bom, só que ninguém enxergava nem valorizava. Nós seguimos com essa estratégia que foi a grande alavanca da nossa trajetória. O trio elétrico foi comprado e a gente não tinha o dinheiro ainda. Todo o dinheiro que nós ganhávamos com o Chiclete com Banana era usado para pagar dívidas que tinham sido ficado da falência de um restaurante. Eu pagava todo mundo e não sobrava dinheiro. Hoje, para eu ter um aval é muito fácil, mas na época não tinha nada. Tinha dívidas e dívidas, não era fácil. O cara tinha que ser muito amigo e acreditar em mim. Mas tive algumas pessoas que me avalizaram e, quando não, deram o apoio moral. Essa força, essa credibilidade, foram muito importantes. Eu tive o pai de Aninha, J. Dias, e dois outros amigos, Edson e Roland de Aguiar. A mãe de Aninha, Ana Socorro, também contribuiu muito, porque eu casei com Aninha nessa época, em 1981, e fazia da casa deles o meu escritório. Eu morei com eles seis anos, uma família com dois senhores e uma filha. O telefone deles tocava de 10 em 10 minutos, e não sei como eles não me colocaram para fora.  
- Qual é a melhor tradução para a banda Chiclete com Banana?  
- Chiclete com Banana traduz bem essa mistura do rock and roll americano com chorinho brasileiro. É uma coisa tropical-americana, acho que bem representada pelo Chiclete com Banana.  
- A relação familiar sempre foi muito presente para você, que estendeu isso à família de sua mulher...  
- Minha mãe colocou esses conceitos para a gente. Se você estiver com seu irmão, é mais forte. Em qualquer situação, procure ficar junto, se unir, estar próximo. Procure ser irmão. E mesmo que o seu irmão não lhe trate como irmão, seja irmão dele.  
- Quantos filhos você tem?  
- Eu tenho dois. Um de 13, o Rafael, e o Felipe, com 6.  
- Qual foi a primeira vez que você se sentiu tratado como um ídolo por outro ídolo? Por aqueles que você idolatrava como Moraes Moreira, Caetano Velloso...  
- Eu me lembro de um fato interessante, mas eu nunca me senti do mesmo time. Eu não me sinto artista. Não me sinto astro. Acho que a minha grande virtude é essa, não me sentir estrela. Eu acho que eu sou uma pessoa muito importante para mim mesmo. Muito importante para minha família e amigos, para a minha turma. Eu agradeço sempre, e muito, quando subo num palco e olho aquela multidão. Fico imaginando o que move aquela multidão a ir me olhar, a me ouvir, a ouvir as minhas canções. E toda vez eu agradeço muito por ter sido uma pessoa privilegiada. Eu tinha uma curiosidade muito grande e, como tinha Moraes como referência, me perguntava como será que um artista se sente ouvindo suas canções? Que emoção o cara sente? As minhas músicas não tocavam no rádio. Quando eu ouvi pela primeira vez, realmente descobri que não sente droga nenhuma. No meu caso, senti uma coisa. Acho que é do meu temperamento, do meu signo, sou muito perfeccionista. E quando comecei a me ouvir cantando, em vez de me deliciar com aquilo comecei a achar que poderia ter feito melhor. Para mim não foi um prazer, foi um alongamento do meu trabalho.  
- Qual é o seu signo?  
- Eu sou de Virgem, de 5 de setembro. Dizem que eu sou de Ogum, e que é terça-feira o dia do meu santo. Eu acredito muito no meu anjo da guarda. Eu sei que tenho um anjo da guarda muito forte. E costumo dizer que o dia em que ele sair para descansar ou coisa assim – sei que ele não descansa –, um abraço...  
- Você tem uma relação muito sólida com sua mulher, um casamento de mais de 20 anos com Aninha. Como é isso?  
- Aninha sempre foi uma pessoa muito importante na minha vida. Eu sempre fui muito gandaiero, como todo jovem ou adolescente. Mas quando encontrei Aninha, nós conseguimos fazer um par muito interessante. Ela é uma pessoa muito inteligente e competente. Soube conduzir nossa família. Eu devo muito a ela. Foi uma pessoa que contribui muito na minha vida, me ajudou muito profissionalmente e espiritualmente. Trabalhou comigo muito tempo, sempre ajudando. Veio do nada comigo, subindo. Guardava dinheiro da merenda dela para comprar roupa para mim, que eu não tinha. Trabalhou comigo em uma lojinha de surf que nós montamos para tentar um caça-niquelzinho. E tem o fato muito interessante, da pipoca. Nós sempre tínhamos que ir da Praça da Sé até o Campo Grande, onde é a casa dela, mas o dinheiro só dava para o transporte ou para a pipoca. Mas como a pipoca cheirava muito, algumas vezes fazíamos a opção pela pipoca e íamos a pé até ao Campo Grande. Se muito cansados, pegávamos um ônibus. Não tinha dinheiro para as duas coisas. Vivemos momentos muito especiais. Ela me incentivou muito e dava opiniões maravilhosas. Tem uma visão muito crítica que combina com a minha. Uma visão aguçada e ampla das coisas. Nós vivemos muito bem, ela é uma pessoa que eu amo de montão. Aninha não trabalha mais com a gente.  
- Quando foi montada a empresa Mazana?  
- Eu sugeri que montássemos uma empresa quando o Chiclete com Banana começou a crescer, para que cada um pudesse assumir uma parte dela. O principal da nossa vida é que temos o sobrenome Chiclete com Banana. Tudo em função do grupo, porque esse sobrenome, essa direção, fazem com que a gente consiga se levantar sempre e se reerguer profissionalmente.  
- Qual foi o primeiro disco?  
- Foi Trás os Montes. O primeiro sucesso realmente do grupo, em nível nacional, foi uma música chamada Gritos de Guerra, em 1985. De lá para cá, só foi sucesso.  
- De qual você gosta mais?  
- Eu gosto de muitas canções, não tenho assim preferência por uma. Às vezes, me orgulho muito dos arranjos que faço. Às vezes, ouço uma canção que nem lembro que é minha, mas o arranjo é muito bom. Fico assim me ouvindo, me analisando, analisando a época e acho que cresci muito e consegui fazer do Chiclete com Banana um dos grandes grupos que o Brasil já teve.  
- O grupo vive viajando. Como fica a sua relação com a família?  
- Durante seis anos foi uma época de viagens mais estafantes, estressantes. Tinha que ir e dormir até no chão. Como eu vendia o grupo pelo interior da Bahia, viajava mil quilômetros durante o dia e chegava em casa à meia-noite. Eu tinha dívidas. Tinha feito um trio elétrico e precisava pagar aquelas dívidas. Mandava cheque pré-datado e tinha que ter dinheiro para cobrir. Muitas as vezes, a gente oferecia o trabalho e o cara dizia assim “– eu não tenho dinheiro para te pagar”. – Pois eu toco e você me paga daqui a três meses... Eu não me importava, o importante era ter dinheiro daqui a três meses para pagar alguma dívida. “– Mas eu não tenho onde colocar você para dormir”. E eu dizia: – Não importa. Você vai numa loja de colchão, arranja uns colchonetes, coloca no chão, em qualquer lugar. Nós trazemos os travesseiros, você só me dá o café da manhã, o almoço e o jantar e nós dormimos no chão... Passamos por diversas situações e a mais extrema foi dormir num posto médico onde havia o corpo de uma pessoa que tinha falecido. Cheguei ao ponto de ligar para Aninha e dizer assim: – pegue o ônibus e vem me trazer comida que estou passando fome. Nos primeiros seis anos, Aninha viajou comigo, até Rafael nascer. Quando Rafael nasceu eu estava tocando. No dia anterior, levei ela para o hospital e às 7 horas da manhã viajei para tocar. Por isso que eu lhe digo que nunca acho que sou um astro. Eu passei muita coisa ruim e não quero passar mais. Mas se você disser que eu tenho que dormir ali, tudo bem, vou dormir ali. Eu sei dos dois pontos, dos dois lados que dão equilíbrio à vida. Eu consegui alcançar tudo de bom, mas sei o que é ruim. Procuro colocar meu filho nesse meio aí, na balança correta. Ele pegou a parte boa da vida.  
- E a sua relação com o público?  
- Outro dia, uma amiga nossa, uma colunista, a July, ficou impressionada. Eu vinha no carro de trás e não a vi. Uns meninos, desses de sinaleira, me abordaram. Automaticamente, quando eles encostam no vidro do meu carro, abro a janela para conversar com eles. Aquilo é muito importante para eles. Eu não os deixo do lado de fora batendo no vidro, naquele diálogo quase mudo. Abaixo o vidro e converso com eles. Se tiver algo para oferecer, ofereço. Se não tiver nada material, ele vai ouvir uma palavra de conforto e ter um pouco de alegria. Já passei muito próximo disso. De chegar na porta de uma padaria e não ter dinheiro para comprar pão. Isso vem muito da família, da origem, do seu eu. Já sofri muito, não precisa mais ninguém sofrer.  
- Qual o recado para quem vem atrás da música?  
- Quem vem atrás da música tem que ter muita sensibilidade. Primeiro, porque você é tratado como Deus. Todo mundo me trata como Deus. Aí, tenho que acordar todos os dias e dizer: eu não sou Deus. Aonde vou todo mundo abre a porta, me beija, ri, manda flores, me trata bem, facilita as coisas. Todo mundo reza para mim. Eu encontro “n” pessoas que dizem: – olha meu filho, nas minhas orações eu lhe incluo. Aí você tem que agradecer por tudo isso. Não rejeitar. Ela está fazendo isso porque gosta de mim. Se eu vou fazer um favor para fulano é porque isso me faz bem.  
- Como você lida com o poder creditado a um artista?  
- Quando subo no palco, são 70 mil pessoas me aplaudindo. São 150 mil pessoas dizendo que sou lindo, gostoso, maravilhoso e que, se me derem uma varinha de condão, vou fazer milagres. Todas as pessoas estão ali me referenciando. Se eu mandar todas sentarem, todas sentam, se mandar todas se ajoelharem, elas se ajoelham. Qual é o poder que todos vêem? Então não vamos nos sentir especial, vamos nos sentir querido. Em troca disso eu retribuo pelo menos com o meu bem-estar. Muito difícil me encontrar de mau humor. Quem vem de baixo, em qualquer situação, não tem nenhuma necessidade de mudar sua trilha. Você pode simplesmente aproveitar o que as pessoas querem lhe dar, e não sair pisando em todo mundo dizendo que quer mais. Se achar que é mais do que é, vai bater com a cara no chão.  
- Qual é o futuro do Chiclete com Banana?  
- O futuro, ele já é. O Chiclete com Banana é um grupo muito sólido, estruturado, alicerçado em nível de amigos e amizades. Basta somente permanecer onde ele está. Não preciso ser mais do que eu sou. Eu sou preciso ser o que eu sou, porque o que eu sou já é suficiente para permanecer o que eu sou. E difícil ter que ficar aí lutando para ser o que é. Nós nunca fizemos nada pensando em dinheiro. Sempre pensei em fazer o melhor. Tanto que, na época que nós começamos, quando tinha aquela coisa de botar o mesmo equipamento e tal, eu juntava o dinheiro e, num outro show mais importante, alugava equipamento para não ganhar nada, somente para apresentar um belíssimo trabalho. Era um trabalho de investimento, de fazer o melhor. E o dinheiro vem automaticamente. Temos uma filosofia na empresa que é a seguinte: Nunca pense no dinheiro do outro, sempre pense no seu dinheiro. Se vejo o carro de um milionário, eu digo assim para mim mesmo: eu vou ter um carro desse, vou trabalhar para isso, mas esse é dele, não o quero. Esse é o grande passo para quem quer chegar a algum lugar.  
- Vocês não são um grupo massificado...  
- Havia uma época em que fazíamos muita televisão. Mas em uma outra época, em tínhamos muitos shows, nós sumimos da TV. Aí, uma fã me disse no aeroporto: – Bell, vocês sumiram um pouco. Saí dali, e pensei: foi a televisão. Pegamos então as panilhas de quatro anos atrás e verificamos que em certas épocas fizemos televisão demais e em outras, de menos. Percebemos que estávamos cometendo um erro estratégico de mais massificação e menos massificação. Não interessava para um grupo de 20 anos ter massificação de mídia, mas sim uma coisa plana. E começamos a aceitar como exemplos Caetano Velloso, Gilberto Gil, o próprio Paralamas de Sucesso, que não eram artistas que ficavam direto na mídia, mas sempre presentes na vida das pessoas. Descobrimos que a solidez vem a partir dos nossos fãs. Somos um grupo mais de palco que de televisão.  
- O Chiclete tem fã clube?  
- Muitos. São 82.  
- E as cartas?  
- São em torno de 780 por dia e temos um departamento só para responder e-mails.  
- E por que o Bell Marques não canta mais de bermuda?  
- Quem me falou para colocar a bermuda foi a Aninha. Disse que eu tinha umas pernas muito bonitas. Vim fazendo um sucesso estúpido, mas chegou um momento que isso começou a me incomodar. As pessoas tinham como referência as pernas, estavam mudando o enfoque musical. Elas já estavam exigindo que eu tocasse de bermuda, já era um objeto sexual, de desejo das pessoas. Comecei a perceber que aquilo não estava me agradando. Foi difícil, mas tomei a decisão de não tocar mais de bermuda. Quem não gosta de ser chamado de bonito? Mas percebi que não estava trazendo benefícios para o Chiclete com Banana. Estava trazendo um benefício vulgar para a minha imagem. Radicalmente, cortei a cabeça da bermuda.  
- A sua mulher tem muitos ciúmes?  
- No começo, como toda mulher, a Aninha tinha um ciúme terrível. Depois ela começou a entender como isso funcionava. Começou, em vez de ter ciúme, a trabalhar isso junto comigo. Isso é extremamente difícil. Ela tem uma visão, de fora, como mulher que consegue me ajudar em algumas coisas. O que eu não gosto, e ela também, são as pessoas mais ousadas. Existe uma diferença da fã, aquela que não faz mal nenhum, da pessoa mal educada, inconveniente, chata. Essa pessoa que quer te agarrar de qualquer jeito, beijar e que manda aquele bilhete insuportável, feio, de baixo nível. Dou a maior atenção, indiscriminada, seja homem ou mulher. Se alguém disser que eu já tratei mal uma fã, vai ter que provar. E Aninha tem uma relação bem resolvida com as fãs.  
- Agora, com o sucesso, não ficaria mais fácil ter um avião para poder ficar mais tempo com a família?  
- Não faz sentido ter o próprio jato. Não compensava, fomos orientados a este respeito. Quem contrata paga a passagem. Mandamos duas toneladas de equipamentos e onde chegamos alugamos a iluminação. Viajando, o Chiclete com Banana, junto com o pessoal da técnica, reúne 16 pessoas. Tocando somos em seis. Os produtores chegam na frente para acertar os shows. Nossa música dá muito emprego por onde passamos.  
- Vocês convivem diariamente dentro de uma estrutura profissional?  
- Poucos artistas têm a nossa estrutura. Nós estamos na BMG, que é uma gravadora multinacional, mas que não exige música para rádio nem determina o disco ou os programas de televisão. O Chiclete com Banana serve como parâmetro para a música baiana. Alguns artistas falam: – temos vocês como nossa referência maior. Baseados nisso, todos foram se fortalecendo e se profissionalizando. A música baiana é uma das músicas mais profissionais do país. É um dos fatores culturais mais independentes. São raros os artistas no Brasil que têm uma empresa com vários departamentos que cuidam dos negócios deles.  
- Como é feita a produção musical da banda? Muitas vezes, se faz uma relação da figura do artista com as drogas...  
- O Vadinho e eu temos grandes canções. Gritos de Guerra foi o primeiro hit do Chiclete com Banana. Eu faço a melodia e o Vadinho a letra. Nosso ponto principal, o nosso grande sucesso, é que somos mais empresários que artistas. É a grande virtude, somos bons empresários. O Vadinho e o Wilson estão mais voltados para esse meio econômico. Também delegamos funções e um não interfere no trabalho do outro, mas opinamos. Isso é, fora e dentro do palco. No palco é pura alma. E nem sempre estamos atrás do processo de produção. Não precisamos de drogas para funcionar. O Chiclete com Banana é um grupo que sabe trabalhar sobre pressão e entre paredes. Eu pego o meu violão, abro a janela, olho a cidade. Essa é a minha inspiração. Mais comum é me inspirar em um quarto de hotel, mas se tiver uma ilha paradisíaca, com coqueiros, eu vou olhar a ilha, não vou compor nada. Não fazemos música por encomenda, como muitos compositores. Vadinho é um músico que não tem compromisso com a música, uma obrigatoriedade. Tem uma visão, se inspira e faz centenas de músicas. Conheço muitos artistas que dizem: – eu sou um artista e toco o que gosto. Entendo que o artista tem de ter sensibilidade, ser profissional e tocar não exatamente o que gosta. Sim, o que o seu público gosta  
 
Curiosidades  
 
• A banda Chiclete com Banana participa de 23 carnavais fora de época em todo o Brasil.  
• Em 1998, lançou a 1ª Micareta num Transatlântico, o Carnavio, no navio Costa Marina da linha Costa C.  
• Em 1997, é gravado o CD ao vivo, pela primeira vez em cima de um trio elétrico em pleno Carnaval.  
• Já mostrou o seu swingue para franceses, espanhóis, alemães, holandeses, americanos e argentinos.  
• Participou de festivais como Jazzstadt, em Tubinger, na Alemanha, e em Montreaux, na Suíça.  
• É a banda mais premiada nos carnavais do Brasil.  
• São dez discos de ouro, oito de platina e inúmeros troféus e prêmios.  
• São mais de cinco milhões de discos vendidos.  
• Em 20 anos de carreira, são 21 discos.  
• O primeiro disco, Trás os Montes, foi gravado em 1980.  
• O primeiro sucesso nacional chegou com a música Gritos de Guerra, em 1985.  
• No Carnaval de Salvador, o Chiclete se apresenta nos circuitos Barra-Ondina, no Bloco Nana Banana, sendo que na avenida carrega o Camaleão.  
 
A estrutura  
 
Para tocar os negócios do Chiclete com Banana foi criada a empresa Mazana, que funciona como uma espécie de quartel general. É na Mazana que ficam centralizados o staff de produção e a assessoria de imprensa da banda. Quem cuida da administração é Vadinho Marques (foto), irmão de Bell. É de lá que eles comandam um grupo de associados que hoje já somam 60 mil pessoas integradas ao Bloco Nana Banana, que não foi o primeiro no Carnaval baiano, mas hoje é o maior deles.  
O Bloco Nana Banana chega a outros estados do Brasil através de franquias, que hoje são 17, e parcerias realizadas pela própria Mazana que montou uma central de informação com promoções para quem procura por diversão no Carnaval. Paralalelamente ao Nana Banana, explica Vadinho, a Mazana foi realizando algumas parcerias.  
Uma delas é com o grupo do Bloco Camaleão. A Sociedade Cara Caramba resulta em uma produtora que vende e contrata os espetáculos de outros artistas. “Também estamos criando uma banda, a Azorra, que vai tocar uma música com tendência para o axé-music”.  
Os negócios da Mazana também se ampliam com a Rádio Itaparica, uma emissora que foi resgatada por eles. Quando foi comprada estava em 13º lugar no Ibope, agora sustenta um honrado 4º lugar e já começa a alcançar uma terceira colocação.  
A Mazana também tem uma parceria com a Central do Carnaval, que é uma inovadora estrutura de apresentar o Carnaval de Salvador para o Brasil e o mundo. Através da Central do Carnaval, explica Vadinho, todos os blocos têm uma receita boa. Ela oferece abadás para todos os blocos que fazem parte dessa parceria. São 10 e entre eles estão o Camaleão, Nana Banana, Araketu, Internet, Campos, Acadêmicos, Cerveja & Cia, Eu Vou, Beijo e Crocodilo. Pela Central desfilam talentos como Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Tatau e muitos outros.  
A venda de abadás e artigos como camisetas, chaveiros, dentre outros produtos personalizados, é feita em uma loja da Central do Carnaval que fica no Shopping Aeroclube Plaza, em Salvador. Também acessando o site www.centraldocarnaval.com.br as informações se multiplicam. “O turista compra o kit completo e pode sair em três ou quatro blocos diferentes através da Central”. Wilson Marques, um dos irmãos, saiu da frente dos holofotes e, engenheiro, transformou-se num grande especialista em sonorização. Seria ele o membro oculto do grupo. Uma espécie de George Martin — o quinto Beatle — eletrônico, considerado em todo o país como o mago do som de carnaval.  
A estrutura empresarial do grupo garante 160 empregos diretos. Os empregos indiretos, gerados com a montagem dos carnavais, são estimados em sete mil.  
A frequência dos shows chegou a fazer com que o grupo pensasse em adquir seu próprio jato. No entanto, a consultoria do amigo Jorge Mello, da Aerotáxi Abaeté que hoje atende ao Chiclete, demonstrou que o fretamento para eles ainda era o melhor negócio. Como a banda optou pelo profissionalismo em tudo, abortou na hora a decolagem.  
 

  
Washington Bell Marques

Formação da banda Bell Marques – vocal/violão e baixo

O Chiclete com Banana arrasta multidões pelas ruas da Bahia

Em um dos salões na sede da Mazana, dezenas de troféus e discos de prata, ouro e platina

Wilson Marques, um dos irmãos, saiu da frente dos holofotes e, engenheiro, transformou-se num grande especialista em sonorização

Bell e Celso Mathias. No detalhe, Vadinho lendo VidaBrasil

A elegante sede da Mazana, quartel general do grupo. No detalhe, o engenheiro Wilson Marques, responsável pela sonorização do Chiclete com Banana



Na Central de Carnaval, no sofisticado Aeroclube Show Plaza, uma loja carrega na fachada a réplica de um trio elétrico. Ali você pode comprar o seu pacote para o Carnaval da Bahia e ainda várias lembranças do grupo e de outros artistas baianos. www.centra

O band leader Bell Marques com sua musa, a inseparável Aninha

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