Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 307
Data:
30/5/2002
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Esforço alemão ajuda a reconstruir o Afeganistão, país destruído física, social e psicologicamente
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Internacional

Reconstrução em Cabul  
 
O vasto engajamento alemão para a reconstrução do Afeganistão –  
uma reportagem da cidade destruída  
 
Quem chegou em Cabul, a capital do Afeganistão, depois do dia 25 de novembro do ano passado, o dia da expulsão do Taleban, foi testemunha daquele acontecimento raro, no qual o dia-a-dia se torna também história. As bandeiras de mais de uma dúzia de estados foram hasteadas sobre os prédios abandonados das embaixadas; ministros começaram a se instalar nos ministérios; o canal de tevê estatal começou a irradiar as primeiras notícias; um velho tapete vermelho foi desenrolado no aeroporto semi-destruído, para os convidados estrangeiros do Estado. A mensagem que partia e ainda continua partindo desses acontecimentos é simples e inconfundível: aqui está surgindo um Estado.  
A ajuda dos alemães – Que o Afeganistão possa passar por essa prova, que se possa evitar que ele recaia num período ruinoso de guerra civil depende também do grau de intensidade dos enormes esforços da Comunidade de Estados na ajuda de reconstrução desse país, pois ele não está apenas destruído fisicamente: sobretudo a sociedade tem que se solidificar novamente, depois de mais de duas décadas de guerra e guerra civil. Neste sentido, os países doadores estão de comum acordo de que o simples desarmamento dos milhares de militantes do Taleban e dos seus inimigos da Aliança do Norte – dos quais muitos passaram a sua vida conscientemente na guerra ou uma grande parte dela na guerra – não irá ajudar ninguém, se o desarmamento não for acompanhado por programas de reintegração social.  
Esta ressocialização, cuja importância vem sendo continuamente realçada pelos políticos afegãos, é também parte de um programa de reconstrução da polícia afegã, no qual a Alemanha assumiu uma posição de liderança. Na conferência dos Países Doadores em Berlim, em meados de fevereiro, na qual se reuniram cerca de 100 peritos em segurança do Ministério do Interior da Alemanha e do Afeganistão, o primeiro passo a ser aprovado visou um breve programa de reeducação de cerca de 30 mil militantes da Aliança do Norte para a profissão de policiais. Somente neste ano, a Alemanha contribuirá com aproximadamente 10 milhões de euros para a reconstrução da polícia no Afeganistão, sendo que não se tratará apenas de ajuda material, como o envio a curto prazo de veículos policiais para Cabul, mas também de dar uma formação adequada aos futuros policiais. Por isso, a academia de polícia afegã deverá ser reconstruída e um curso homogêneo de formação deverá ser criado.  
Ainda a miséria - Mas enquanto se multiplicam esses sinais de um retorno à normalidade, conhecida somente pelos afegãos mais idosos, uma grande miséria ainda continua presente em muitas regiões do Afeganistão. Milhões de refugiados afegãos estão vivendo no Paquistão e no Irã, milhares de afegãos continuam marchando sem destino e sem raízes dentro do próprio país, fugindo não só das lutas mas também do grande período de seca que tornou inabitáveis algumas províncias do Afeganistão. “Se a seca continuar, algumas regiões do norte e do oeste do Afeganistão se tornarão inabitáveis para sempre”, diz Erhard Bauer, coordenador dos projetos da organização Deutsche Welthungerhilfe, no Afeganistão, a qual tem escritório não só em Cabul, mas também nas regiões assoladas.  
Mas também o Alto Comissariado de Refugiados das Nações Unidas (UNHCR) continuará sendo por tempo indefinido uma instituição imprescindível no Afeganistão. Há poucas semanas, o UNHCR se tornou o comitente da Sociedade Alemã de Cooperação Técnica (GTZ). A GTZ assume, primeiramente por um ano, a responsabilidade sobre toda a logística. Kurt Kandler, que já há mais de duas décadas orienta projetos da GTZ na África, América do Sul e Ásia, é responsável, com seu grupo, pelo transporte de bens de ajuda do UNHCR por esse país ainda em guerra, sendo também responsável pelas oficinas, pelas peças sobressalentes e pela instalação e manutenção dos geradores a diesel, sem os quais ainda não funciona na maioria das regiões do Afeganistão. Ele instalou seu escritório num prédio de fábrica abandonado, um pouco distante da estrada de saída para Jalalabad, na qual, um pouco mais longe da cidade, está instalado o quartel-general do contigente alemão da Tropa Internacional de Defesa (Isaf). O perito da GTZ pretende empregar cerca de 200 funcionários locais em todo o país. Brevemente surgirão outros projetos no Afeganistão, para cuja coordenação a GTZ irá abrir um escritório em Cabul.  
Intervenção – A presença de pessoal de ajuda estrangeiro no Afeganistão oferece a muitas famílias afegãs, pela primeira vez depois de muitos anos, uma fonte de renda. Uma grande padaria de Cabul fornece 1.400 pães por semana ao acampamento dos soldados alemães. Sem esse fornecimento, essa padaria estaria provavelmente quase parada. Mais de uma dúzia de outras firmas afegãs receberam também até agora encomendas das Forças Armadas Alemãs.  
Assim, por exemplo, uma empresa está trabalhando no transporte de muitas toneladas de restos de aço e de destroços de guerra dos terrenos destruídos pela guerra, nos quais os soldados alemães, austríacos, holandeses e dinamarqueses – comandados pelo general de brigada Carl Hubertus von Butler – fizeram o seu acampamento. Com respeito ao número de soldados, o continente das Forças Armadas alemãs presentes no Afeganistão, que deverá compreender 1.200 soldados, não representa, neste particular, o maior engajamento internacional do exército alemão. Todavia, essa intervenção, abastecida somente por uma estreita ponte aérea, é considerada por peritos “o maior desafio, com o qual as Forças Armadas alemãs jamais foram confrontadas na sua história.”  
E também os projetos da chamada Cooperação Civil-Militar (Cimic), coordenados pelos oficiais da Isaf, contribuem para que o engajamento da Isaf continue tendo sucesso. Os planos da Cimic abrangem, a curto prazo, projetos realizáveis de infra-estrutura, como a restauração de escolas. Lasse Hakjaer, um oficial dinamarquês que está coordenando os projetos do contigente alemão, preocupa-se em que o lado afegão assuma muita auto-responsabilidade. “Não se deve ter a impressão de que o Ocidente leve adiante seus projetos sem levar em consideração os afegãos”, declara ele.  
Cooperação - A diplomata alemã Ursula Müller, encarregada pela Alemanha da cooperação com a sociedade civil do Afeganistão, também quer evitar que se possa ter essa impressão. Seu trabalho deverá sobretudo corresponder com aquela formulação expressa na Resolução 1.325 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, na qual é promovida a integração da mulher em medidas que criem e mantenham a paz. Müller sempre acentua que o pessoal de ajuda ocidental chegou ao Afeganistão como convidado, como ela própria, que “somente pode oferecer a sua ajuda”. Um problema para Müller e para todos os outros que se ocupam com o incentivo das mulheres no Afeganistão é que as mulheres têm dificuldades não apenas por causa da interpretação do seu papel no Afeganistão, mas também porque essa interpretação impediu a maioria das mulheres de adquirir aquelas capacidades que são necessárias para se integrar no mercado de trabalho. Mulheres que podem ler e escrever no Afeganistão são a exceção. Mesmo antes do domínio do Taleban, a educação primária, principalmente nas regiões rurais em quase todo o Afeganistão, incluía no seu currículo menos mulheres que homens. Por isso, a educação tem um papel excepcional no trabalho dos alemães.  
Já antes da virada do ano foi iniciado, com meios do Ministério do Exterior da Alemanha, um programa de reconstrução de escolas em Cabul, que compreende não somente a reconstrução dos prédios escolares destruídos, mas também a mobilização de meios, com os quais possam ser financiados, pelo menos por um certo tempo, as refeições na escola e os salários dos professores. Segundo Müller, o projeto financiado com meios do orçamento para a ajuda da humanidade, do Ministério do Exterior da Alemanha, é de aproximadamente 500 mil euros. E também o Ginásio Jamhuriat, para meninas, deverá ser reaberto com a ajuda alemã. As aulas nas escolas que até agora foram instaladas são ministradas com a separação de sexo: de manhã aprendem as meninas, de tarde, os meninos, pois do contrário muitos pais afegãos não deixariam seus filhos freqüentarem a escola. Que a necessidade de recuperação é grande mostra a reação que se seguiu a um apelo feito pelo ministro responsável pelo Ministério da Educação do Afeganistão através da Rádio Afeganistão, a emissora estatal: não demorou muito e 500 meninas já se tinham inscritas para freqüentar as aulas nas escolas provisoriamente instaladas.  
O primeiro diplomata – A diplomata Müller tem a vantagem, na sua tarefa, de que os alemães são estimados no Afeganistão. O que contribuiu para isso foi a organização da Conferência do Afeganistão em Petersberg. Mas no Afeganistão não ficou esquecido o grande engajamento humanitário alemão antes da invasão das tropas soviéticas em 1979. Quando Burhanuddin Rabbani, que foi por pouco tempo o precursor do chefe do regime interino atual, entregou os negócios governamentais ao seu sucessor Hamid Karzai numa cerimônia oficial, no dia 22 de dezembro, ele agradeceu expressivamente os alemães pelo seu papel de mediadores. Por ocasião dessa cerimônia, Hans Joachim Daerr, o alemão encarregado das questões do Afeganistão, entregou ao ministro do Exterior do Afeganistão, Abdullah, a procuração de credenciamento, escrita a mão, do embaixador alemão, Rainer Eberle. Pouco mais de uma semana depois, o presidente alemão, Rau, assinou as credenciais que foram depositadas em mãos de dois oficiais das Forças Armadas alemãs, chegando assim com segurança ao seu destino – no Afeganistão, as coisas têm, às vezes, um andamento muito informal. Finalmente, no dia 9 de janeiro, Eberle pôde entregar suas credenciais ao novo governo afegão, sendo assim o primeiro diplomata acreditado no Afeganistão. Um porta-voz do Ministério do Exterior da Alemanha foi citado com a apreciação de que esse rápido credenciamento tinha sido um gesto que mostrava “como a Alemanha era bem-vinda”.  
Hoje não é raro de se encontrar crianças no Afeganistão que não sabem escrever, mas que podem reconhecer o tipo de uma arma de fogo somente pelo barulho do tiro, ou que propagam orgulhosamente o seu conhecimento sobre os diversos tipos de minas. Isto pode ser um conhecimento vital no Afeganistão, onde os soviéticos – segundo declaração da Organização das Nações Unidas – enterraram  
aproximadamente dez milhões de minas, deixando-as lá após sua retirada em 1989. Até agora, foram desativados no Afeganistão 53 tipos diferentes de minas, originários de todos os países imagináveis, diz Mario Boer. Ele foi para Cabul em março de 1998, dirigindo desde então um projeto de remoção de minas com cães treinados, financiado pela Alemanha com um orçamento anual de 2,6 milhões de marcos. Estes cães pastores alemães podem descobrir aquelas minas de plástico que não podem ser detectadas por aparelhos de busca de minas que reagem somente a metal.  
Próximo passo - Cerca de mil pessoas trabalham sob a direção de Mario Boer no Afeganistão. Eles levam dois cães para farejar, um após o outro, o mesmo local, o que diminui muito a cota de erros. Para convencer os habitantes de uma aldeia que, por exemplo, um terreno já examinado está realmente livre de minas, Boer manda um caminhão percorrer em ziguezague todo o terreno. No Afeganistão é suficiente, hoje em dia, que uma trilha possa ser novamente usada sem perigo pelas pessoas, para dar aos afegãos a sensação de já terem progredido. O próximo grande passo para se afastar do passado destruidor desse país deverá seguir o mais tardar em junho deste ano. Após os acordos de Petersberg, uma “Loya Jirga” (grande assembléia) tradicional deverá se reunir seis meses depois de o governo interino ter assumido as suas funções, para que seus participantes possam decidir sobre um novo governo provisório por um período de até dois anos. E então poderemos fazer novamente a mesma observação, já tão freqüente nestas últimas semanas no Afeganistão: aqui está surgindo um Estado


Normalização: com a bicicleta diante de ruínas
Cenas de rua: nova vida na capital, Cabul
Educação: inauguração de uma escola para meninas em Cabul
O palácio semi-destruído. Popular empinando papagaio, atividade antes proibida pelo Taleban

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