Quem sai aos seus não degenera
O nosso patrimônio genético condiciona o nosso caráter e os nossos traços fisionômicos. Mas até que ponto somos escravos do DNA? Os genes não são cruéis.
Depois de posições muito extremas, há um certo consenso em atribuir ao comportamento humano, principalmente às atitudes sociais, um peso de 60% para o ambiente e 40% para hereditariedade. Uma nova corrente, a genética comportamental, defende que "os genes definem tendências, mas são as experiências individuais que as modulam. Qualquer gene, para se expressar, precisa de determinadas circunstâncias externas, sejam bioquímicas, físicas ou fisiológicas". Assim, já não faz sentido pensar em comportamento herdado ou adquirido, mas em "como é que os genes interagem com o ambiente na produção deste comportamento". Seguem-se alguns exemplos da importância da herança genética.
Descendência aproxima-se cada vez mais da média.
A estatura é entre 80 a 90% determinada pelas características dos pais, nas populações bem nutridas do Ocidente. Basta olharmos para percebermos que as gerações mais novas são mais altas do que as que precederam: refletem a melhoria das condições de vida. A estatura é de origem poligênica, ou seja, resulta de um conjunto de genes paternos e maternos herdados de várias gerações que, em geral, se vão aproximando da média, especialmente nas zonas densamente povoadas, em que os casais tendem a juntar-se de forma aleatória. Estudos com gêmeos univitelinos - provenientes do mesmo óvulo, logo com o mesmo patrimônio genético - mostram que a influência genética para determinar a altura dos indivíduos ronda os 90%.
A determinação do grupo sanguíneo é totalmente genética. E respeita as leis clássicas, enunciadas por Mendel, de transmissão de características: o descendente recebe uma informação genética de cada progenitor e os fatores dominantes sobrepõem-se aos fatores recessivos.
Caracteres físicos
Se você não gosta de si mesmo, culpe os seus pais
Se não gostar da sua aparência, reclame com os seus genes, ou melhor, com os dos seus pais. No processo de transmissão das nossas características externas, recebemos duas informações genéticas: uma de cada progenitor. Mas em alguns casos, recebemos o chamado "complexo de caracteres". É freqüente encontrar orelhas e narizes muito parecidos em gerações diferentes. Só a orelha é constituída por 100 caracteres distintos, como a altura e largura do bordo ou o tamanho e o formato do lóbulo. Outros traços têm uma incidência menos visível por estarem condicionados por vários genes.
É aprendida ou inata? Cada vez é mais consensual que o ser humano já nasce com a capacidade de aquisição da linguagem. Reúne as condições para a desenvolver a linguagem, desde que receba os estímulos adequados.
Anthony Monaco, da Universidade de Oxford, Reino Unido, estudou uma família em que a maioria dos membros tem problemas de linguagem. E identificou uma ligação entre o gene FOXP2, do cromossoma 7, e esta capacidade humana. O FOXP2 pertence a um grupo de genes que controla a atividade de outros. Estudos com gêmeos verdadeiros estimam que em 30% dos casos as dificuldades de leitura são herdadas.
Resulta da combinação dos genes herdados do pai e da mãe
Herdado. Ainda há poucos anos se pensava que a transmissão da cor dos olhos seguia à risca as leis clássicas da genética. Mas alguns geneticistas dizem que não. Há múltiplos genes associados a uma característica e muitas combinações possíveis. Por isso, a cor resultante pode ter várias gradações. Quem é que nunca viu olhos verdes pigmentados de castanho? Mas continua sendo verdade que os fatores dominantes se sobrepõem aos recessivos.
Os genes estão implicados, mas não são a única causa.
Vários estudos estabelecem correlações entre a violência e uma mutação na codificação genética da enzima monoaminoxidase tipo A (MAOA). Adrian Raine, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, defende que "a criminalidade é determinada em 50% pelos genes", embora o ambiente possa vencer essa predisposição. Solomon Snyder, diretor do Departamento de Neurociências da Universidade John Hopkins, EUA, numa experiência realizada com ratos, percebeu que deficiências no gene que regula a produção de óxido nítrico podiam gerar atitudes violentas. Os roedores que foram criados sem o gene que codifica o óxido nítrico atacaram seis vezes mais os seus companheiros.
A incidência genética de nossa escolha varia com os estudos
Pouco se sabe da determinação genética da orientação sexual. Pensa-se que cerca de 50% depende de fatores de ordem hereditária e que a componente genética não resulte apenas de um só gene, mas da interação de muitos e também de fatores ambientais. Em 1991, Simon LeVay publicou um estudo na "Science" onde descrevia uma diferença anatômica entre os cérebros dos homossexuais e dos heterossexuais. Estudos com gêmeos, realizados pelo geneticista norte americano Dean Hamer, assinalaram uma influência genética na homossexualidade. Mas estes resultados foram muito criticados. Uma investigação recente publicada na revista "Science" dos neurologistas George Rice e George Ebers, da Universidade de Ontário, Canadá, põe em dúvida a teoria de Hamer, afirmando que não foram encontradas ligações entre uma marca genética na região Xq28 do cromossoma x e a orientação sexual.
Esta capacidade pode estimular-se e, além disso, enriquecer o cérebro
Estima-se que a sua hereditabilidade ronde os 25%. Apesar desta qualidade ir determinada pelos genes, também pode ser esti-mulada e desenvolvida. E os biólogos sabem que o estímulo criativo enriquece o cérebro, ao ativar a conexão entre os neurônios.
Inteligência
Os genes da mãe dominam o desenvolvimento do cérebro executivo e o do pai as emoções?
Apesar de não ser fácil quantificar o peso da herança genética no desempenho intelectual, vários estudos correlacionaram fatores hereditários com algumas zonas do cérebro. Um artigo publicado na revista "Nature Neuroscience" defende que a quantidade de massa cinzenta nos lobos frontais e o desenvolvimento de uma região do hemisfério esquerdo do cérebro ligada à linguagem podem depender de fatores genéticos. Os investigadores liderados por Paul M. Thompson, da Universidade da Califórnia, compararam os cérebros de 20 pares de gêmeos, metade dos quais verdadeiros, através de scanner. Os cientistas constataram que nos cérebros dos gêmeos bivitelinos existiam variações de 30%, enquanto os gêmeos univitelinos, que partilham os mesmos genes, tinham variações de apenas 10% na zona frontal, motora e da linguagem. Testes de inteligência mostram que algumas atividades intelectuais ativam estas zonas do cérebro, que podem ser determinadas pelos genes. Herdamos as emoções do pai e a inteligência da mãe? Um estudo de Eric "Barry" Keverne e Azim Surani, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, publicado na "New Scientist" mostra que, numa experiência efetuada com ratos, os genes herdados da mãe têm um papel mais importante no desenvolvimento dos centros "executivos" e do "pensamento" do cérebro, enquanto os recebidos do pai têm um maior impacto no desenvolvimento das áreas cerebrais ligadas às emoções.
Sociabilidade
A capacidade para as relações também é, em parte, herdada.
Segundo um estudo de J. C. Loehlin e R. C. Nichols, da Universidade do Texas, com 850 gêmeos, a base genética da sociabilidade é de 25%. Auke Tellegen liderou um estudo com mais de 800 gêmeos mono e bivitelinos, alguns dos quais criados separadamente, e concluiu que:
|