Sabor cativante
O Gibão de Couro completa 13 anos de inovações e qualidade no preparo de comidas do sertão baiano
O sonho acalentado por dois amigos de trazer para a capital as raízes mais puras do interior vem se materializando, há quase 13 anos, sob a forma do restaurante Gibão de Couro, imitado por um sem número de casas que não conseguem superar a qualidade, sabor e autenticidade do local. Começando pela entrada, que lembra uma porteira de fazenda, até o “boteco”, que guarda os mais variados rótulos de “pinga”, tudo lembra o charme das coisas simples, com uma pitada de acolhimento que cativa os clientes. Para coroar, um cardápio preparado com esmero e extremo cuidado com o sabor e origem dos alimentos.
A receita para o sucesso do Gibão de Couro, que só vem sendo ampliado ao longo dos tempos, é dada pelos sócios Ailton Alencar e José Ronaldo. O primeiro é natural de Ruy Barbosa, tendo conhecido o companheiro de negócios quando ambos eram funcionários do Banco do Brasil. Saudosos da “comidinha lá de casa”, viajavam constantemente para o interior do Estado. Uma de suas paradas preferidas era a Chapada Diamantina, onde, além de se fartarem de boas iguarias, conheciam e guardavam informações sobre a comida saudável e variada da região.
Mas apesar de toda a inclinação para o negócio, a dupla hesitava em deixar o seguro emprego federal para embarcar naquela aventura fascinante. Depois de muito “vamo-não-vamo”, eles decidiram começar, equilibrando o trabalho oficial com o prazer de dividir as delícias garimpadas em suas viagens. Inicialmente, o agradável espaço situado na rua Mato Grosso, na Pituba, foi prestigiado apenas por amigos do banco, conhecidos da Petrobras e do Pólo Petroquímico de Camaçari, até ficar cheio nos finais de semana, com “gente saindo pelo ladrão”.
Novidades - Datam deste início algumas novidades incorporadas algum tempo depois por outros restaurantes como o queijo coalho com mel de melaço de cana, pirão de leite e até o “baião-de-dois” (feijão verde cozido com arroz e pedaços de queijo em cubo derretido). Pratos assim tornaram os freqüentadores fiéis, ainda mais porque as pesquisas no interior continuavam, segundo Ailton Alencar, que procurava as cozinhas afamadas de cada cidade por onde passava. O menu foi aperfeiçoado com assessoria técnica de professoras de culinária, que forneceram preciosas orientações sobre cada novidade que era acrescentada, lembra.
Mudança em 95 - Mas o espaço ficou pequeno e o jeito foi se mudar... para a mesma rua. O trecho da rua Mato Grosso é um recanto calmo, de fácil estacionamento, em meio ao intenso tráfego do bairro da Pituba. A oportunidade chegou no momento certo, explica, na forma de um imóvel situado do outro lado da rua. O casarão permitiu que a imaginação dos proprietários fosse satisfeita, com uma decoração típica de cidades interioranas, mas com detalhes que atestam um estilo peculiar e elegante.
Na sala de espera e bar, um poderoso par de chifres lembram o ditado que diz que “chifre é coisa de homem; boi usa de ousado”. A grande sala de refeição do térreo pode receber até 150 pessoas, confortavelmente acomodadas em mesas e cadeias rústicas. O salão do primeiro andar acomoda até 100 pessoas, sendo usado para eventos e aos domingos. O funcionamento da casa é de terça a quinta, das 11 às 15 horas, e de 18 horas até a saída do último cliente. Às sextas, vai de 11 a 1 hora; sábado, de 11 a 1 hora, e domingo, das 11 às 22 horas.
As paredes do salão térreo são adornadas com grandes painéis de cedro, do escultor Luís, que mostram cenas da vida dos nordestinos. São cobiçados por um grande número de clientes, muitos destes ficam aborrecidos quando os proprietários informam que não estão à venda. “Isso faz com que seja preciso ceder uma das peças de vez em quando”, admite Ailton Alencar.
Mas é possível ficar satisfeito em adquirir a principal lembrança da casa: uma pata bovina curtida contendo uma garrafa de 700 ml em seu interior, que permite acondicionar bebidas, principalmente a cachaça Abaíra. Ailton Alencar explica que ao longo do tempo foi possível observar que era possível oferecer o serviço de venda de lembranças nordestinas aos clientes. Os mais interessados são turistas do Sul e Sudeste do país, além de visitantes estrangeiros, que gostam de levar para casa um pouco da essência do Gibão de Couro, na forma de bonecos de barro made in
Caruaru, Pernambuco, e dos famosos “pés-de-bois”, acrescenta.
O contingente de público infantil também é amplamente privilegiado pelos proprietários da casa, que providenciaram a construção de banheiros feminino e masculino, de dimensões apropriadas para os pequenos. Estes contam ainda com uma pequena área de lazer, onde o brinquedo principal é um grande cavalo de pau que faz a alegria da criançada. “Além de serem nossos clientes mais fiéis, exigindo dos pais a vinda ocasional ao restaurante, os pequenos são muito observadores e costumam trazer sugestões interessantes. Uma destas, adotada recentemente, foi a colocação de plaquetas com os nomes dos garçons e do maître para identificação dos funcionários preferidos pelos nossos freqüentadores”, salienta.
Diálogo constante - O constante aprimoramento é outra marca registrada do Gibão de Couro, filosofia adotada pelos funcionários em geral. O maître Vital Coelho, que chegou em 2001, é um exemplo da adaptação a esta quase norma, mudança difícil, levando em conta seus 11 anos de experiência em São Paulo, onde trabalhou em hotéis cinco estrelas. Ele lembra a diferença existente entre os clientes atendidos nos dois estados, principalmente devido ao nível de camaradagem e envolvimento existente entre os garçons e os freqüentadores locais.
O que facilitou, em seu caso, foi o fato de ser natural de Monte Santo, com largo conhecimento da culinária local. Este tipo de experiência é muito útil
quando é preciso coordenar garçons e orientar o público pouco habituado aos sabores da região sobre as melhores combinações entre bebida e alimento.
E para quem gosta da enogastronomia, arte de consumir vinho certo com comida certa, vão aqui algumas dicas: o apreciado queijo coalho com melaço pede um Shiraz de boa linhagem; o surubim do São Francisco cai bem com o branco Chardonnay; enquanto carnes bovinas ou caprinas harmonizam-se com Cabernet ou Merlot.
Para a gerente de eventos, Arlete Carneiro Alencar, a harmonização mais exigida em seu posto é entre os serviços oferecidos pela casa e o prazer do cliente. Oriunda da área petroquímica, ela se encantou com o trabalho em restaurante, e, apesar de oficialmente ser responsável pela marcação de festas e confraternizações, conversa diariamente com os freqüentadores, buscando a satisfação destes e suas sugestões. As exigências dos consumidores, às vezes, são quanto apenas ao ponto da picanha, mas existem casos de reclamantes especiais. Um destes vinha habitualmente uma vez por semana e pedia carneiro. Invariavelmente, protestava contra o tamanho das costelas, até que Arlete sugeriu a retirada do prato. Ao chegar e não encontrar este, o cliente reclamou, mas conformou-se diante do argumento irrespondível de que diante da falta de qualidade da carne neste aspecto, a casa tinha optado por deixar de oferecê-la. Este tipo de postura veio amadurecendo com o tempo, segundo o gerente José Francisco da Graça, oriundo da área de supermercados em Petrolândia-PE.
Com sua experiência de 10 anos (e quatro meses, completa), ele acompanhou a trajetória do Gibão de Couro, ao qual credita seu crescimento profissional, passando do trabalho em instalações rústicas até o atual ambiente, mais sofisticado. A clientela permanece fiel, assegura, tendo tornado-se porém mais exigente. “Eu me adaptei e aprendi muito ao longo do tempo, depois de ter vindo de outro mundo. Quando cheguei aqui era o tabaréu e agora quando vou a minha terra, sou o diferente”, constata.
A manutenção de estreitos laços de camaradagem entre a direção e seus colaboradores é uma conquista, explica Ailton Alencar. Além de contar com funcionários antigos e procurar pessoas experientes para ocupar postos-chave, ele investe em mão-de-obra iniciante. “Eu sei que o mercado não age assim, mas prefiro formar meu pessoal de acordo com os padrões da casa”, atesta. A maioria dos novos garçons e parte do pessoal de cozinha têm no restaurante o seu primeiro emprego. Isto garante que não possuem vícios profissionais, e têm garra de sobra para mostrar que podem desenvolver um bom trabalho, ensina.
querer os cânones de experimentação da cozinha contemporânea, o Gibão de Couro desde sempre surpreendeu seus clientes com pratos originais. Além das inovações iniciais como o queijo coalho e “Maravilhas do Gibão” (bolinhos de aipim e de carne do sol,
lingüiça toscana e pão de alho), outras novidades foram agregadas ao longo do tempo como o especialissímo “O sertão vai virar mar”. Trata-se da combinação inusitada de ensopado de camarão com purê de aipim, ao molho de tomate. Também consta do cardápio “Carne do sol ao cangaço”, que inclui purê de leite e aipim cozido.
Capítulo a parte - “Surubim ao Velho Chico” traz o cheiro e gosto dos restaurantes à beira do
rio em Juazeiro e Petrolina, com o peixe grelhado acompanhado de purê de aipim. Ailton Alencar classifica o Gibão de Couro como uma casa nordestina com grelhados. Ao carro-chefe inicial representado pela carne do sol e picanha, os sócios acrescentaram peixes e saladas. Mas a carne de sol é um capítulo à parte, com o uso exclusivo de produto vindo diretamente de Ruy Barbosa, proveniente do gado tipo tocoió.
Predileções à parte, Ailton Alencar explica que, além da qualidade da carne ser superior, o fornecedor tem controle sobre a procedência, comprando e abatendo animais previamente pesquisados nas pequenas propriedades locais. Isto elimina riscos de transmissão de doenças e de contaminação, porque o material é esterilizado no campo, antes de ser acondicionado. A higiene é uma de suas maiores preocupações, sendo discutida diariamente e incutida junto ao pessoal de cozinha e aos garçons.
Além de cuidados na manipulação dos produtos durante o preparo, o fato do restaurante ser à la carte permite que pequenas porções sejam
preparadas de cada vez, sendo mínimo o tempo entre a finalização e a entrega do pedido ao cliente. Cursos sobre alimentação e sua manipulação deram a Ailton Alencar o conhecimento para repassar aos funcionários, que também freqüentam aulas de formação em higiene.
Cachaçaria - “Tudo meu!”, podia gritar um apreciador da boa e velha caninha ao constatar os cerca de 100 rótulos da bebida disponíveis no bar de entrada da casa, onde, além do par de chifres, a decoração lembra os botecos do interior com cadeiras e mesas simples feitas de madeira maciça. A maioria das bebidas é oriunda de Minas Gerais, mas também é possível degustar pratas da casa, fabricadas artesanalmente no interior da Bahia, e que começam a adquirir reputação. Entre estas, a conceituada Abaíra e a Cabeceira do Rio, vinda de Utinga. A primeira é envelhecida em barris de umburana, que lhe conferem um tom amarelado e aroma suave; a segunda, em recipientes de jequitibá. Também é possível encontrar a variedade orgânica (o plantio é feito sem fertilizantes e agrotóxicos) Serra das Almas, de Rio de Contas. Das terras mineiras vêm a nobre Havana, agora rotulada como Carlos Germano (R$180 a garrafa), Salineira, Rainha do Oeste, Pinissilina, Magia de Minas e Seleta, entre outras. A dose custa entre R$ 2 e R$ 15, e as garrafas variam entre R$ 10 a R$ 180. Um dos planos é incluir balas de cachaça, feitas com uma gelatina especial e muito popular em terras mineiras.
|