Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 327
Data:
15/4/2003
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Artigo

A tal ponto chegou esse primado ilegítimo, que uma importante publicação nacional não respeita mais um preceito como o do sigilo da fonte e o resguardo do chamado "off", que é a conversa concedida a um jornalista sob a condição de não expor o entrevistado.  
Pedro Rogério Moreira é jornalista e imortal da Academia Mineira de Letras. O artigo transcrito foi publicado no jornal Hoje em Dia, em Belo Horizonte, edição de 23/03/2003.  
 
Escreveu Renan que na história há dias tristes, porém não há dias estéreis nem desinteressantes. O pensamento do notável historiador das origens do cristianismo pode ser estendido à vida dos homens que fazem a história, a começar pelos políticos.  
O senador Antônio Carlos Magalhães, protagonista de um caso que galvaniza a atenção nacional, certamente enfrenta dias de funda tristeza íntima e para isso terá no coração motivos reais e sinceros. Sua tristeza, necessariamente, não terá sido produzida pelos fatos que estão sendo publicados nos jornais e mostrados na televisão.  
A mídia, nesse caso como em diversos outros, nos oferece tão somente uma face dos acontecimentos, às vezes a face que serve para alimentar a indústria de escândalos em que se transformaram certos meios de comunicação, notadamente as revistas semanais.  
No Brasil, a mídia já não exerce mais o quarto poder, conforme o velho conceito norte-americano; nem é mais o primeiro poder; a imprensa, na verdade, agigantou-se de tal modo, em face da inoperância dos poderes constituídos, que está exercendo o seu poder acima do Estado e acima da nação.  
Ela submete os cidadãos e pauta os governantes, estejam eles no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário. Muitos a temem e a maioria dos homens públicos se deslumbra com os famosos 15 minutos de glória que só os meios de comunicação podem lhes dar. Os dias que correm são, na história do Brasil, realmente dias de tristeza pela covardia geral diante desse poder exagerado da imprensa, destituído de qualquer legitimidade ou fundamento filosófico, ético, legal.  
A tal ponto chegou esse primado ilegítimo, que uma importante publicação nacional não respeita mais um preceito como o do sigilo da fonte e o resguardo do chamado "off", que é a conversa concedida a um jornalista sob a condição de não expor o entrevistado.  
Ora, o sigilo da fonte é, entre nós jornalistas, uma das mais graves leis consuetudinárias de nossa profissão. O repórter inicia a sua vida profissional sabendo que esta é uma lei sagrada. No exercício do jornalismo, o repórter "pode" subtrair documentos, "pode" escamotear uma minúscula vídeocâmera para fazer o papel de James Bond de Segunda, "pode" até mesmo cometer o crime de falsidade ideológica, como, infelizmente, vemos diariamente. No entanto, o repórter não pode, aí sem aspas, porque verdadeiramente, não pode infringir uma de nossas leis básicas, que é o sigilo da fonte.  
O sigilo da fonte é comparado, sem exagero, ao segredo da confissão na Igreja Católica. O direito canônino não admite nenhuma brecha; não prevê qualquer hipótese, nem mesmo a iminência de um crime - para um sacerdote revelar o que o penitente lhe contou ao pé do ouvido, na penumbra do confessionário. São João Nepomuceno, em Praga, preferiu o martírio a contar para o monarca déspota o que a rainha lhe dissera em confissão. Do jornalista não se deve exigir tanto...  
O que acontece hoje? Da parte de certa imprensa, uma monstruosidade, uma vexaminosa quebra de decoro, apanágio de qualquer profissão, sejamos padres, jornalistas ou políticos.  
O caso é que um veterano repórter estigmatizou sua respeitável carreira com a diabólica quebra do sigilo de uma suposta confissão. Ele cometeu a terrível transgressão em nome de quê? Eis a resposta: em nome da indústria dos escândalos que alimenta a concorrência entre as revistas semanais de informação.  
Cada uma delas quer suplantar as outras na carnificina, promovida, em muitos casos, com a honra alheia. No episódio envolvendo o senador Antônio Carlos Magalhães, entretanto, a própria revista Isto É envergonhou-se do triste feito de seu repórter. Em vez de reservar ao "grande furo" as honras da capa, concedeu-lhe o redator-chefe uma discreta chamada. É a prova cabal de que havia a consciência da quebra da lei sagrada dos jornalistas.  
O resultado final, qualquer que seja, não é bom para o transgressor do segredo da conversa em "off": ou foi publicada uma miragem, uma confissão inexistente, ou cometeu-se o sacrilégio (no direito canônico, é crime mesmo) de expor o seu confidente. Nas duas hipóteses, é clara como a luz a quebra de decoro profissional.  
Enquanto correm esses dias tristes, comprovando a tese do grande Ernesto Renan ao discorrer sobre o áureo período de Marco Aurélio, o senador Antonio Carlos Magalhães não vive, na sua condição de homem público, e nem oferece à apreciação de seus contemporâneos, dias estéreis nem desinteressantes.  
Ao contrário, os dias atuais, em que ACM é o personagem central, são dias trepidantes e de reflexão. O Leão da Bahia tem noção exata de seu papel relevante na cena nacional; sabe que todos os seus gestos, inclusive os imprudentes, terão repercussão nas nossas vidas. E isso é fazer história


Pedro Rogério Moreira

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