Quando a realidade contradiz a tela  
Gafes científicas do cinema  
O cinema recorre à ciência em busca de argumentos, roteiros mais consistentes, diálogos mais completos.  
Mas, às vezes, a emenda é pior que o soneto e cometem-se erros. Se quando você viu estes filmes, não se apercebeu deles, dispõe agora de uma segunda oportunidade  
Há polígrafos manuais?  
Um sogro do pior  
Depois de conhecer o sogro, um analista da CIA capaz de detectar se alguém está mentindo, através do pulso, Greg está à beira de um ataque de nervos e entra a bordo de um avião encolerizado – pelo que é detido e levado a um ‘especialista’.  
– “Raios!”, exclamou ao ver entrar o ‘especialista’ e descobrir que era o futuro sogro. “Diga para eles que não sou um terrorista.”  
– “Ouve, Focker. Não digo nada a eles até você aceitar responder a umas perguntas. A não ser que queira passar os próximos dois anos na cadeia, será bom dizer a verdade. Entendido? Nada de mais mentiras! Responde às perguntas e põe as mãos aqui, assim”, disse-lhe Jack, agarrando-lhe as mãos – estendeu-as sobre a mesa e colocou-lhe os dedos nos pulsos.  
– “Você se chama Gaylord Focker? Sim ou não?”  
Resposta  
Para ser um detector de mentiras humano, Jack está um pouco por fora. O polegar não é o mais adequado para tomar o pulso, já que passa por ele uma pequena artéria na qual se sente o próprio pulso, o que deve provocar ‘interferências’.  
Quanto pesa o ouro? E a terra?  
Em busca da arca perdida  
América do Sul, 1935. Um aventureiro embrenha-se pela selva e desafia os perigos que o rodeiam:  
Feras, animais venenosos e, ainda por cima, os membros de uma temida tribo. Nada disto o impede de alcançar a base de uma pirâmide. Ali, à entrada, o nosso herói saca de uma pequena bolsa e enche-a com terra, de modo a obter o peso necessário. Essa bolsa é a chave para obter o objeto precioso que procura. Depois de superar as armadilhas mortais que o rodeiam, Indiana Jones alcança por fim o seu objetivo: um ídolo de ouro integrado num sistema engenhoso, capaz de detectar as alterações de peso. O professor toma ar, segura a bolsa de terra e, com um gesto rápido, a substitui pelo ídolo. E então... O mecanismo ativa-se e ameaça derrubar a pirâmide.  
O que falhou?  
Resposta  
Quanto pensava Indiana Jones que pesava o ídolo? A densidade do ouro é de 19,6 g/cm3. Pelo que se vê no filme, podemos equiparar o ídolo a um cilindro de 10 cm de diâmetro e 15 cm de altura. O que implica um volume de 785 cm3 – e, portanto, uma massa de uns 15 kg. É muita coisa para um punhado de terra. Surpreendentemente, a bolsa com terra pesa ainda mais!  
Sabe o que é a Citosina?  
Planeta vermelho  
O plano de “terraformação” de Marte, baseado no cultivo de algas que produzem oxigênio, falhou. Uma missão vai ao planeta para saber porquê. Mas, ao chegar, Gallagher descobre que, surpreendentemente, pode respirar-se à superfície. Qual é o enigma que encerra Marte?  
– “Não encontrou a chave do problema, certo?”, perguntou-lhe Gallagher.  
– “Ninguém me explicou a questão das algas e do oxigênio”, reconheceu Burchenal.  
– “Incomoda-se por não saber?”  
– “Oh! Dá um tempo, que eu vou saber!.”  
– “É possível. Mas talvez a vida seja mais misteriosa do que você pensa.”  
– “Você está ignorando os fatos”, contestou Burchenal.  
– “Os fatos... Com certeza você não gosta do Natal e a sua mãe lhe disse que o Mickey não existia”.  
– “Sou geneticista: escrevo códigos, certo?”, gritou indignado Burchenal. “A, G, T, P, em diferentes combinações, para descrever o genoma humano, não é? Escolho o quê, escolho onde e, ou os seus rins trabalham, ou lhe saem seis dedos. Eu dedico-me a isso!”  
Resposta  
Na realidade, que lhe saiam seis dedos ou que não funcionem os rins, seria o melhor que podia acontecer a Gallagher se os geneticistas se dedicassem a jogar com as bases nitrogenadas, presentes no DNA, como sugere o nosso ‘expert’: A, G, T e ...P? A que se refere? Ao fósforo? Porque a Citosina, que é a que falta, representa-se por um C.  
Já se sabe que as alterações genéticas têm consequências graves, principalmente se altera um dos componentes.  
Há leopardos no Brasil?  
As duas feras  
David Huxley está prestes a casar-se quando, acidentalmente, conhece Susan e o seu leopardo, encontro do qual vai se arrependendo ao longo de todo o filme.  
– “Perguntei-lhe se quer um leopardo”, repetiu Susan.  
– “Um leopardo? Para que quero eu um leopardo?”, retorquiu Huxley.  
– “Isso pergunto eu.  
O fato é que tenho um”, respondeu ela.  
– “E onde foi arranjar um leopardo?”  
– “Em lugar nenhum. O meu irmão, Mark, capturou-o: está caçando feras no Brasil.“  
– “Será um leopardo embalsamado, não?”  
– “Não, não. Por que razão o meu irmão iria caçar leopardos embalsamados no Brasil quando pode encontrá-los aqui, em Nova York?”  
Resposta  
Nunca houve leopardos no Brasil. Pode encontrar-se, sim, alguns dos seus primos, os jaguares. O que estaria fazendo o irmão de Susan quando dizia estar caçando na América do Sul?  
O que se trata com carbono 14?  
Stargate  
Junto a uns vestígios do Antigo Egito descobriu-se uma construção estranha, pela qual o exército mostra grande interesse: suspeitam tratar-se de um engenho alienígena que permite fazer viagens espaciais.  
– “Por que se interessam tanto os militares por umas pedras egípcias de 5 mil anos?” perguntou intrigado Daniel Jackson aos membros da equipe arqueológica.  
– “O meu informante disse 10 mil anos”, anunciou o militar que entrava nesse momento. “Sou o coronel Jack O’Neill, do gabinete do general West. A partir de agora, eu assumo o comando.”  
– “Falar de 10 mil anos é absurdo”, disse Daniel a meia voz a um dos arqueólogos. A cultura egípcia ainda não existia.  
– “Sabemos disso. Mas as provas sônicas e de carbono 14 são conclusivas”, respondeu-lhe o arqueólogo, convencido.  
Resposta  
Daniel tem razão: é impossível. Mas apenas porque a técnica de datação com carbono 14 só é aplicável a materiais orgânicos. E, até que se prove o contrário, as pedras não pertencem a esta categoria.  
Quando nasceu a escala Fujita?  
O tornado  
Junho de 1969. No interior da casa, o homem permanece atento aos constantes boletins meteorológicos divulgados na televisão: “Acabam de advertir-nos que o tornado que indicava o radar se encontra agora no centro do círculo, a NE do condado de Kingfischer, e se desloca na direção NE. Também quero advertir quem vive mais a Oeste de que o aviso de tornado continua, e é oficial o aumento da sua intensidade. Tal como disse anteriormente, inclui todo o condado de Oklahoma”. O ruído crescente do vento já não deixa ouvir mais que frases entrecortadas: “Aconselhamos a população a tomar todo tipo de precauções.” Era esse o anúncio que o homem esperava. Tinha de pôr a mulher e filha a salvo do tornado.  
– “Temos de descer para o refúgio imediatamente, venham!”, gritou. “Na televisão, dizem que o tornado é forte. Talvez um F5.”  
Resposta  
A Escala Fujita – que se abrevia por F e um número – emprega-se para classificar os tornados segundo a sua intensidade, ao analisar os danos produzidos pelo fenômeno meteorológico. Pena que a Fujita tenha sido desenvolvida em 1971... a cena inicial ocorre em 1969.  
Há bombas de duas velocidades?  
O mundo não chega  
Apesar dos esforços de Bond, os terroristas conseguiram o seu objetivo: colocar a bomba. Mas 007 ainda não disse a última palavra.  
– “A bomba vai pelo petróleo”, sentenciou Bond.  
– “Claro. É o único oleoduto com que o Ocidente conta com o abastecimento das reservas do próximo século”, respondeu M. E, dirigindo-se ao agente 007, perguntou:  
– “Tem alguma idéia?”  
– “Talvez. A que distância está do terminal e a que velocidade vai?”  
– “Está a 170 km e vai a 110 km/h”, respondeu o técnico.  
– “Então, temos 78 minutos”, anunciou o superagente britânico a serviço de Sua Majestade.  
Resposta  
Quando inventará Q uma calculadora? Bond necessita de uma. Velocidade é igual ao espaço dividido pelo tempo. Portanto, tempo é igual a espaço entre velocidade. Se a bomba vai a 170km/h e a distância é de 110 km, 170/110 = 1h54 = 114 minutos, e não os 78 que Bond proclama com tanta segurança.  
Quão severa é a osteogênese imperfeita?  
O protegido  
– “Tenho uma doença chamada osteogênese imperfeita. Trata-se de uma infecção genética: não fabrico bem um tipo de proteína e os meus ossos têm muita pouca densidade – partem-se facilmente. Tive 54 fraturas na minha vida. E a minha é a versão mais leve dessa doença, o tipo I. Há também o tipo II, tipo III e tipo IV. Os do tipo IV não duram muito.”  
Resposta  
A osteogênese imperfeita é uma doença genética que faz com que a densidade dos ossos seja menor por causa da produção defeituosa de uma proteína: o colágeno. Mas a do tipo IV não é nem a mais grave nem os que dela padecem estão condenados a morrer de imediato. Pelo contrário, o tipo IV é, depois do I, o mais benévolo desta patologia. São os doentes portadores do variante II, na realidade a mais severa, que têm maior dificuldade para chegar a adultos.  
Como circula o sangue?  
O homem invisível  
Tudo estava disposto no laboratório para a experiência. O ensaio ia permitir-lhes comprovar se o soro desenvolvido por Sebastian era capaz de inverter o processo da invisibilidade. Ou seja, devolver a Isabel, a gorila invisível, o seu estado original.  
O primata já estava deitado na maca para lhe ser ministrado o composto. O próprio Sebastian foi encarregado de injetar o soro, que começou a fluir nas veias do animal, tornando-as visíveis pouco a pouco, até chegar ao coração.  
Resposta  
‘O homem transparente’ descobre um surpreendente, além de errôneo, efeito secundário da invisibilidade: na cena, o sangue flui das veias maiores para as menores – na verdade é o contrário. E, quando sai do coração, não necessita de passar pelos pulmões para se oxigenar e sair pelas artérias. Além disso, a cor do sangue é mais escura do que a do oxigenado.  
Um parsec é suficientemente rápido?  
Guerra nas estrelas  
– “Han Solo”, apresentou-se. “Sou o capitão do Millennium Falcon. Chewee disse-me que procuram transporte para o sistema Alderaan.”  
– “Certo, desde que seja uma nave rápida”, respondeu Obi-Wan Kenobi.  
– “ Uma nave rápida? Não ouviram falar do Millennium Falcon?”  
– “Devíamos ter ouvido falar?”  
– “ É a nave que fez a carreira Kessel em menos de doze parsegundos. Venceu as naves estrelares do Império. E não apenas os cargueiros pesados, também as naves tipo Korelia. Parece-lhes rapidez suficiente?”  
Resposta  
Você embarcaria no Millenium Falcon? Não, se soubesse que um parsegundo – ou um parsec – é uma unidade de distância, e não, como quer fazer-nos crer o capitão Solo, de tempo. De fato, 1 parsec é uma unidade astronômica, equivalente à distância de uma estrela até ao Sol, cuja paralaxe seja de 1 segundo. Corresponde a 3,26 anos-luz. Enfim, que a força os acompanhe, que bastante falta lhes faz.  
Ficou fã dos bichos de ‘Uma vida de inseto’?  
Uma vida de inseto  
As formigas têm um problema grave. Uma delas, Flik, provocou a perda da colheita armazenada para pagar aos gafanhotos, que vem todos os anos molestar o formigueiro.  
Flik, consciente do seu erro, decide arranjar uma solução fora da colônia. As demais formigas estão encantadas. Não acreditam que o seu irmão consiga alguma coisa, mas, dessa forma, mantêm-no afastado da colônia e evitam novos desastres. Flik conseguirá, para surpresa de todos, uma solução inesperada que acabará com todos os problemas.  
Resposta  
As formigas da colônia tomam Flik por um ‘bicho raro’, porque está sempre inventando coisas. É o caso do monóculo feito por uma folha enrolada, com uma gota de água na ponta. Deixando de lado a inquietude criativa de Flik, a sua maior ‘rareza’ ele partilha com o resto dos seus congêneres: tem quatro membros, dois braços e duas pernas, quando, na realidade, as formigas têm seis patas, divididas em três segmentos. E torná-las mais humanas não é pretexto: Hopper e o resto dos gafanhotos ganharam seis.  
Eistein disse isso?  
Perigo no oceano  
Os tubarões perigosos escaparam. E vão à caça dos protagonistas, presos na base submarina.  
– “São 4 da madrugada”, assinalou o cozinheiro.  
– “Eu sei”, disse o engenheiro. “Uma noite má parece uma semana inteira.”  
– “A relatividade...”  
– “Está se referindo a quê?”  
– “ À Teoria da Relatividade de Einstein. Se tocar numa frigideira quente, um segundo parece-lhe uma hora. Se está com alguém de quem gosta, uma hora parece-lhe um segundo. Tudo é relativo.”  
– “Estudei engenharia no Técnico da Califórnia, e é a melhor explicação de física que ouvi até hoje.”  
Resposta  
Da explicação ‘sui generis’ dada pelo cozinheiro deduz-se que o tempo é constante e o que varia é a percepção que temos dele. Exatamente o contrário do que afirma a Teoria da Relatividade formulada por Einstein.  
O físico defendia que o tempo é uma grandeza variável, ainda que o nosso organismo não o perceba. Essa idéia encaixa-se perfeitamente no exemplo clássico das viagens espaciais: se um astronauta viajasse à velocidade da luz, o percurso do ‘seu’ tempo seria mais lento que o do nosso, apesar de ele não perceber isso. De tal forma, que poderia regressar ao fim de uma semana – segundo a sua percepção – e, na verdade, havia passado muitos anos na terra.  
Para rematar o disparate, o roteirista põe na boca do engenheiro que é a melhor explicação de física que alguma vez ouviu. Os cientistas do Técnico da Califórnia ainda devem estar à procura dele para lhe agradecer semelhante dose de prestígio.