Voar baixinho
Adolfo de Castro ataca as companhias aéreas que vendem barato mas olham os passageiros como gado bravo
Esta crônica é um manifesto. Digo-o já para que não sobrem dúvidas: um manifesto contra a prepotência de certas companhias de aviação.
Como a maioria das pessoas, vôo a trabalho e de férias. Faço-o em classe econômica, e sempre que carro, trem ou navio se revelam opções impossíveis. Pode dizer-se, portanto, que usamos aviões por necessidade, o que significa que é um meio de transporte como outro qualquer, e que por isso não deve ser considerado “locomoção” de ricos. Aceitaram a idéia? Muito bem. Lanço então o slogan do manifesto: viajar de avião é uma ofensa aos nossos direitos e garantias. Parece-vos um palavrão? Não é.
O que estas duas inofensivas palavras significam, na sua dimensão mais simples, é democracia, o que não é coisa pouca, já que através dela descobrimos as vantagens da economia de mercado e compreendemos a dimensão da palavra exigência. Afinal, se antes nos contentávamos em andar a pé, hoje não prescindimos do carro. Se há trinta anos festejávamos a compra de um Fiat 127, agora exigimos um Fiesta Super Charger com ar condicionado e direção assistida. Somos mais livres, mais exigentes e o mercado acompanhou a nossa evolução.
Numa frase, vivemos melhor.
E, no entanto, aplicando esta idéia a algumas companhias de aviação, verifica-se que acontece justamente o contrário. Em vez de aviões confortáveis e requintados, em algumas, levantam vôo ferro-velhos com asas, cujos padrões de conforto se aproximam cada vez mais dos níveis de exigência de um Fiat 600. As cadeiras se parecem com dispositivos de tortura medieval, as refeições são preparadas na cozinha de uma prisão para serial killers e os filmes internos pensados para entreter indigentes. É assim ou não é? Uma vez, viajei para Nova York com a Continental Airlines e confirmei isso mesmo. As cadeiras, aliás, tinham um desesperante requinte de malvadez: recostando-as para dormir, instalava-se uma barra de ferro nas nossas costas! Por que, senhores?
Reparem no exemplo da indústria automóvel: eles perceberam que o fato de, nos últimos trinta anos, termos ficado mais dependentes do carro, não significa que estejamos dispostos a guiar calhambeques. Por isso, tratam-nos com carinho. Mimam-nos. Pelo preço da chuva, dão-nos rádios com CD, encostos de cabeça, rodas de liga leve e, com jeitinho, pintura metalizada. Melhoraram a oferta sem carregar nos preços. Já os aviões, entretêm-se a retirar “extras” à cabine. É certo que apresentam preços baixos, mas quem lê o Astérix sabe o que aquela aldeia sofreu quando contratou os serviços de um capitão gaulês para os transportar num cruzeiro barato até Atenas: os “jogos a bordo” consistiram num remo para cada um e a “música ambiente” num tambor que marcava o ritmo, ou seja, enquanto para a indústria de automóveis somos consumidores de primeira, para a de aviação estamos ao nível dos escravos que serviam de “combustível” às galeras romanas. É por isso que o slogan deste manifesto diz o que diz: viajar de avião é uma ofensa aos nossos direitos e garantias. Eu explico.
Fomos nós quem, nos últimos anos, conquistamos esses direitos. Por que razão só as companhias de aviação os parecem negar? Não criticam que se vendam lugares em primeira classe por preços exorbitantes. Pouco me importa que alguém dê cinco mil dólares para ir daqui a Nova York a bebericar Moet & Chandon. A Peugeot também vende o 607 com televisão e flutes de champanhe no porta-luvas. O que lamento é que a classe econômica dos aviões não seja um bocadinho mais parecida com o conforto de um 206. Será que é pedir muito?
Enquanto não se decidem, lanço um desafio. Risquem do mapa as companhias que vos tratam como gado bravo, mesmo que isso implique pagar um pouco mais. Eu já risquei a americana Continental Airlines.
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