Quando foi hospitalizado, Andy Warhol perguntou: “Estão aqui algumas estrelas?” A América precisa de estrelas e não é egoísta em oferecê-las, com abundância. Até quando adoecem. Todas as gerações as produzem, algumas mais cadentes, e mesmo fora da vida artística são pródigas em dar espetáculos. Quando não mudam o mundo, tornam-se pelo menos o foco da sua atenção. As estrelas são maiores do que a vida. A sua e a nossa. Por enquanto. Depois do mito regressam à história
Steven Spielberg
Tom Hanks
Embora no plateau apenas tenham se cruzado por uma vez, em “O Resgate do Soldado Ryan”, Steven Spielberg e Tom Hanks partilham duas coisas: uma admiração servil pelo realizador de “Beleza Americana”, Sam Mendes (com quem colaboram atualmente no filme “The Road to Perdition”, enquanto produtor e ator, respectivamente); e um status de grandeza que dificilmente outras figuras do espetáculo poderão atingir.
O tremendo sucesso de suas carreiras deveu-se ao fato de ambos terem encarnado tudo aquilo em que a classe média norte-americana se compraz. A ambição com que atingiram os postos de comando da indústria cinematográfica deixou-os, no entanto, reféns de um discurso autojustificativo.
Spielberg, que inaugurou o blockbuster nas versões de terror em época de verão (“Tubarão”), de fantasia sentimental para a família (“ET”) e de aventuras arqueológicas (trilogia de “Indiana Jones”), chegou aos anos 90 com o amargo sentimento de ter conquistado uma indústria que teimava em recusar-lhe o reconhecimento artístico. Enquanto produtor, tinha armazenados outros fenômenos de bilheteria como “Poltergeist”, “Regresso ao Futuro” ou “Quem tramou Roger Rabbit”, mas assombrava-lhe ainda mais a possibilidade de ser admitido no clube dos realizadores sérios.
As fracassadas tentativas de “A Cor Púrpura”, “Sempre” e “Império do Sol” apenas tinham ajudado os seus detratores a empurrarem-no para a categoria de sentimentalista convencional e sem fôlego para os abismos da alma humana, quando fora do departamento de efeitos especiais. (Só um aparte: o filme que atualmente prepara chama-se “AI”, sigla de inteligência artificial).
Tom Hanks, depois de cumprir o circuito de divertimentos obscenos para adolescentes na puberdade, começou sendo nomeado para os óscares no papel de uma criança num corpo de adulto, na comédia infantil “Big”. As interpretações de um deficiente mental e de um homossexual com vírus HIV, em “Forrest Gump” e “Philadelphia”, resgataram-no da vulgaridade para as minorias discriminadas. De supetão, Tom alargava o paradigma de bom rapaz do bairro para as margens da sociedade, tornando-se o símbolo de integração e respeito pela diferença que caracterizou a era Clinton.
Mas se coube a Hanks o discurso mais catártico da história dos óscares, quando recebeu a estatueta de melhor ator pela primeira vez, foi Spielberg quem, a par de fantasias jurássicas, desenterrou a história do holocausto (“A Lista de Schindler”) e dos campos de batalha na II Guerra (“O Resgate do Soldado Ryan”). E o fêz como reforço de memória, numa sociedade com demasiados estímulos para esquecer depressa os mártires e heróis do passado, embora não fosse ingênuo o alcance dos projetos: desmontar a crescente especulação à volta da influência judaica nos corredores da política; reforçar a imagem dos Estados Unidos nos conflitos armados em que se envolveu ao longo da última década. Em ambos os filmes capitalizou óscares.
É certo que nunca se envolveu no tema do Vietnã, que obcecou a sua geração, mas, depois do desastre financeiro em que resultou “1941” (paródia sobre Pearl Harbour, única vez em que os Estados Unidos foram atacados no seu território), é normal que evite abordar os traumas do seu povo. Duas curiosidades: no início de carreira, Hanks fez breves aparições na série “O Barco do Amor”, e Spielberg chegou a dirigir alguns episódios de “Columbo”, a série popularizada por Peter Falk.
Ted Turner
Bill Gates
Enquanto empreendedores numa sociedade da era moderna, Bill Gates e Ted Turner foram provavelmente os dois homens que mais rapidamente se aperceberam da aldeia global anunciada por Marshall McLuhan. E foram também eles os primeiros a apropriar-se dos formatos e dispositivos tecnológicos que lhes permitiu jogar uma cartada de mestre nesse cenário.
Ter uma visão implica uma crença cega de que o futuro premia quem soube antecipá-lo e preparar-se para ele.
Em 1971, quando adquiriu a Rice Communications (mais tarde rebatizada TBS: Turner Broadcasting System), Turner começou por averbar, logo no primeiro ano, um prejuízo de 700 mil dólares. Tinha no entanto em seu poder um sistema que revolucionaria não só a televisão, como a própria disseminação dos grandes acontecimentos pelo mundo inteiro.
Turner começou por capitalizar em estações locais de TV a cabo, mas o TBS, sistema de transmissão por cabo via satélite, permitiu-lhe desenvolver uma rede nacional que em poucos anos se expandiu internacionalmente, chegando atualmente a 160 milhões de lares. Quando a crise dos mísseis eclodiu e o Iraque atacou o Kuwait, até parecia que Turner tinha encomendado uma guerra direto ao presidente Bush. A CNN era o único canal de televisão a contar e a escrever a história para o resto do mundo (de resto, o mesmo aconteceu quando, este ano, Turner anunciou a sua separação da atriz Jane Fonda).
Quando aos 20 anos Bill Gates criou a Microsoft com Paul Allen, ele sabia que no futuro os computadores seriam não só o instrumento de base para quase todos os trabalhos da era moderna, como também invadiriam a vida doméstica. O discernimento levou-o não a construir computadores pessoais, mas a desenvolver sistemas operativos para facilitar a sua utilização, o que atualmente representa 80% cento de todos os PCs espalhados pelo mundo. Em meados dos anos 70, no entanto, o prejuízo resultante dessa visão eram suficiente para aconselhá-lo a mudar de estratégia.
O rumo dos acontecimentos nos últimos 20 anos deu razão a Turner e a Gates. O império empresarial montado por ambos não só deu um novo rosto à visão do mundo, como fez deles dois dos homens mais ricos e que ajudaram os seus colaboradores a fazer o seu milhão.
Ironicamente, ambos providenciaram auto-estradas da informação que hoje são percorridas por empreendedores mais rápidos do que eles. Aos 62 anos, com uma fortuna de 9 milhões de dólares (podiam ser dez, mas deu um décimo para uma fundação que apoia as causas humanitárias da ONU), Turner viu-se obrigado a vender à AOL a Time Warner (um monstro da indústria do espetáculo, com dez anos de prejuízos), o que faz prever uma maior eficácia na disseminação de conteúdos por parte da internet. Quanto a Gates, 45 anos e 63 bilhões de dólares de fortuna pessoal, retirou-se para um ano sabático de reflexão e viu o seu potentado de software julgado por práticas de monopólio. É um veredicto que apenas peca por tardio, uma vez que a rede da internet é atualmente um computador único e imenso, que os restantes sistemas apenas alimentam. A Microsoft, que preparou o cenário da World Wide Web, prepara-se assim para ser engolida por ela.
Julia Roberts
Madonna
Apesar de serem de gerações diferentes, Madonna e Julia Roberts são cara e coroa da mesma moeda de troca a que se convencionou chamar “garota da porta ao lado”, Julia (atriz) é a menina bonita que todas as mulheres gostariam de ser e a desgraçadinha no amor que as suas mães adoram lamentar, com um sentimento de piedade que também não esconde o sadismo que caracteriza as comadres. Madonna (cantora e atriz, pelo menos queria ser) é a estouvada que as mesmas mulheres invejam secretamente, sem coragem para enfrentar os olhares reprovadores das mães e demais vizinhas.
Se Julia Roberts tem os atributos que o macho mediano gostaria de ter, Madonna deu rédea larga na sua juventude aos fantasmas masculinos de uma mulher dominadora e carnívora. Seja em versão de Condessa de Ségur ou de Maria Madalena, o certo é que a popularidade de Julia dura há uma década, enquanto Madonna, mãe de Lourdes e Rocco, se prepara para devorar o terceiro decênio. Embora a produção de ambas seja abundante, verdade seja dita que nem de trabalhar precisam. Os escândalos sexuais da autora de “Like a virgin” inspiraram novelas na imprensa e falsos documentários em preto e branco, tendo o seu casamento com Sean Pean servido ao argumento de um filme completo. Quanto a Julia, basta ser vista publicamente na companhia de um colega para que o seu nome entre diretamente na ficha de relações amorosas. E, quando foi descoberto o seu número de sutiã, poucos jornais resistiram a informar aos leitores.
Ambas órfãs desde a infância, Madonna e Julia Roberts são o paradigma das estrelas que já o eram antes de conquistarem o sucesso. Em quase tudo o que fizeram, representaram-se a si próprias. É por isso que “Notting Hill” é visto como um filme dentro da realidade de Roberts. E “Erin Brokovick”, o seu papel mais exigente, o lado Gata Borralheira de uma Cinderela cintilante. A Madonna, basta-lhe intitular “Music” ao seu mais recente álbum para que todos percebam do que se trata. Mesmo quando participou em “Evita”, a vida da mulher de Péron ficou menos em evidência do que a de Maria Ciccone.
Tiger Woods
Michael Johnson
Aos cinco anos, Tiger Woods foi alvo de uma reportagem pelo programa de televisão “É Incrível”. Agora que tem 24 anos, um programa inteiro dedicado a ele não seria suficiente para relatar todos os recordes e títulos que já conquistou em competições profissionais de golfe. Woods começou por ser um fenômeno num esporte onde imperam atletas brancos oriundos da alta sociedade. Rapidamente tornou-se o melhor golfista do mundo e agora até o maior mito dos greens, Jack Nicklaus, garante que os seus feitos e os de Arnald Palmer juntos serão varridos da história por ele sozinho. Tempo não lhe falta, e temperança também não, a julgar pelos depoimentos dos que conviveram com ele, era ainda um adolescente. Em 1999, ganhou mais de 6,5 milhões de dó-
lares no circuito PGA Tour, um recorde absoluto, e em quatro anos no circuito profissional já arrecadou uma quantia superior a 22 milhões. Sobre os lucros, cita o pai: “Tens de te importar e tens de partilhar”. Sobre o golfe, cita os sábios do esporte: “O golfe não é tudo e nunca será tudo.
O mais importante é fazer de nós melhores pessoas.” Resta saber se o diz porque é o melhor, ou se chegou a melhor por acreditar nisso. Por enquanto, está tornando nobre uma modalidade que era apenas de elite.
Michael Johnson tem por trás de si uma constelação de grandes atletas, desde Jesse Owens a Carl Lewis. Os seus feitos são no entanto memoráveis. Detém os recordes mundiais dos 200 e 400 metros e foi o primeiro atleta olímpico a conquistar medalhas de ouro em ambas as provas (num total de cinco medalhas de ouro olímpico). A sua coleção de títulos mundiais chega a ser fastidiosa, de tão grande e, pelo menos nos 400 metros, não se imagina outro corredor que possa fazer melhor, a não ser ele próprio.
Nos jogos de Barcelona ganhou apenas nas estafetas por causa de uma intoxicação alimentar nas vésperas de competir, mas em Atlanta e Sydney foi majestoso. Para um homem que já teve um ciclo de 58 vitórias consecutivas, as derrotas apenas sublinham a mentalidade de campeão: “Sempre vi o atletismo como um trabalho de que gosto, não representa o que sou.”
Jerry Seinfeld
Oprah Winfrey
“Nunca conheci um homem que soubesse tanto sobre nada”. Cultor da derrisão, do comentário arguto que revela a mesquinhez do homem urbano da classe média, Seinfeld tornou-se a referência máxima das sitcoms americanas. A fórmula era tão simples que só mesmo um elaborado cínico de si próprio e dos seus amigos podia concebê-la. Jerry Seinfeld interpretou-se a si próprio na série que durante nove anos dominou os serões da burguesia ocidental e até o gorducho calvo e neurótico que o acompanhava, George Constanza, era um decalque do co-autor da série, Larry David. De resto, uma série de episódios parodiou mesmo a feitura do programa, quando George e Seinfeld decidiram propor a uma estação de TV uma sitcom que era sobre... nada. Estreando nos talk-shows de David Letterman e Jay Leno, Jerry Seinfeld infectou os telespectadores com o vírus das pequenas coisas, uma herança do humor judeu, servindo ao público uma receita homeopática: a superficialidade combatida com doses concentradas de mais superficialidade.
No extremo oposto, Oprah Winfrey representa o Cavalo de Tróia no cenário audiovisual. Com uma obstinada convicção cívica, tem utilizado o seu programa “The Oprah Winfrey Show” não só para criar uma rede de empreendimentos com consciência social na indústria do espetáculo, como também um conjunto de instituições na área da educação, da saúde e da solidariedade. Vinda de uma humilde comunidade rural no Mississipi, tornou-se um estandar-
te da cultura popular engagée. Há 14 anos apresenta o seu programa semanal, que chega a 22 milhões de espectadores só nos Estados Unidos. Já recebeu 34 Emmy (prêmio da indústria audiovisual) e recentemente criou a sua própria revista, “O”, uma espécie de guia para as mulheres desenvolverem os seus níveis de autoconfiança e se prepararem para uma vida empreendedora no novo milênio. Professora universitária de Dinâmica de Liderança, iniciou uma campanha pela proteção das crianças e convenceu mesmo Bill Clinton a dar o status de lei a uma base de dados nacional sobre molestadores de crianças com cadastro
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