Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 294
Data:
15/11/2001
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Berlim, Mitte Onde pulsa o coração da capital alemã  
 
Fusão, evento, experimento: Os dez quilômetros quadrados do bairro Mitte, de Berlim, tornaram-se o lugar mais emocionante da nova Alemanha. Um parque de aventuras dos poderosos e criativos, que entre o Reichstag e a praça Alexanderplatz é alimentado por novas idéias. É onde a metrópole se renova diariamente, onde a cultura urbana é tão vital como em nenhuma outra cidade alemã.  
 
Neste meio tempo, todos já vieram para estes dez quilômetros quadrados de Berlim que simplesmente se chamam Mitte: os políticos, os funcionários de federações, os funcionários federais, os produtores de Internet. E quem ainda não está aqui faz de tudo para poder vir, como, por exemplo, os últimos ministros que ainda se encontram em Bonn e todos os organizadores de eventos e produtores de filmes que agora querem seguir os galeristas, os artistas e os DJs, os quais estão dando vida ao velho centro de Berlim já há anos. O cineasta Helmut Dietl, muniquense nato, vai abrir o seu escritório no bairro Mitte dentro em breve. O roqueiro Udo Lindenberg, hamburguês nato, já se mudou faz tempo para o Hotel Adlon, na praça Pariser Platz. Herbert Grönemeyer voltou de Londres, Armin Müller-Stahl, de Hollywood. Se a Alemanha possui um lugar de nível internacional, então ele é esse bairro Mitte, entre o Reichstag e a Alexander Platz, entre os Hackesche Höfe e a Potsdamer Platz. É um bairro central, nem bonito nem desleixado, nem idílico nem anárquico, nem elegante nem monumental, mas um pouco de tudo. É um bairro profundamente heterogêneo que só produz impressões, mas nunca uma imagem completa. Um bairro que não se enquadra em categorias e em definições abreviadas. Fusão. Antítese. Projeto. Evento.  
O homem de paletó e camisa pretos só queria começar uma pequena revolução no Mitte. Ele queria ser subversivo. Cutucar o traseiro dos poderosos. O combatente das megalomanias e hegemonias nesse “lugar infeliz da história mundial”. Queria entrar no Mitte, invadir o centro do Mitte, porque nenhum outro lugar da Alemanha era adequado para ele. E agora, Claus Peymann está sentado sozinho num canto de um restaurante nobre, um pouco triste. E um tanto desesperado. Um tanto raivoso. E triste de novo. Faz um ano que Peymann é intendente do teatro Berliner Ensemble (BE), o grande teatro do famoso Bertolt Brecht. O teatro está quase sempre lotado, mas a revolução ainda não foi feita. Nem mesmo um ataque de flanco. Nem um pequeno. Pior ainda: os críticos acusam Peymann de ser caixas, inofensivo e de contar papo furado. Em Viena o teriam apedrejado por algumas de suas provocações. Em Viena, diz Peymann, como intendente do Bürgertheater, só Deus estava acima dele. Aqui, no Mitte, é outra coisa. Não se ouve a agitação que ele faz. Nenhuma oposição. Nenhum escândalo. Nada nos tablóides. “Às vezes me sinto como num outro planeta”, diz Peymann.  
Uma grande obra - Leste e Oeste. Como novo berlinense, Peymann já ficou muitas vezes desesperado com essa divisão que no Mitte não tem importância nenhuma. Nenhum canto da Alemanha é tão misturado como esse, mas Peymann ainda continua se sentindo um estranho nessa antiga parte socialista da cidade, tanto que está agora procurando uma grande peça atual para atrair o Leste e o Oeste ao teatro: uma grande obra, com a qual ele possa primeiramente sacudir o Mitte e depois, toda a cidade, pois ele ainda não considera Berlim uma metrópole verdadeira. Todavia já existiam uns indícios disto, aquele comichão que não há em nenhum outro lugar da Alemanha.  
Se se levar em consideração o desejo do primeiro-ministro, Gerhard Schröder, de Peymann e, neste meio tempo, de quase todos os políticos federais, o centro de Berlim deverá se transformar no objeto de ostentação da Alemanha, numa magnífica metrópole européia que magnetize a cena cultural. Recentemente, o governo federal prometeu novamente 36 milhões de marcos anuais para o Jüdisches Museum, para os Festivais de Berlim e para o Martin-Gropius-bau. Ele doou 200 milhões de marcos ao museu Kunstsammlung Berggruen, estando ainda de olho na reconstrução do velho castelo municipal, que custará bilhões de marcos. Este deverá ser edificado entre o prédio socialista do Conselho Municipal e o museu classicista Altes Museum, no meio do Mitte, dando a impressão de que nunca se o poderá compreender de todo. Pode ser que se conheça a Museumsinsel, a ilha dos museus, mas ainda não se conhece as ilhas do prazer da New Economy. Pode ser que se conheçam os túmulos de Minetti, Brecht e Hegel, mas ainda não se conhecem os novos ritmos de marusha. Pode ser que se tenha estado nas noites de tecno no “Tresor”, mas ainda não se esteve nos concertos nas antigas casamatas de defesa antiaérea e nas centenas de pequenos palcos e porões, nos quais se encontram os jovens literatos, estrelas do mundo do show e artistas. Kim Frank e Benjamin Lebert, Benjamin von Stuckrad-Barre e Benno Fürmann. Franka Potente e Nina Hoss.  
Sensação libertadora - Ela acordou novamente cedo. Foi ao padeiro comprar os deliciosos pãezinhos do velho Leste, montou na bicicleta e se foi em direção ao Mitte, de encontro ao ar fresco matutino, passando pelos últimos boêmios da noite, por montes de lixo e nuvens de todos os cheiros que ainda contam algo da noite anterior, tendo novamente aquela sensação libertadora: “Sim, isto é uma metrópole, esta é a minha cidade”. Nina Hoss está indo para um ensaio no Deustsches Theater, esse palco de ostentação da ex-RDA, onde está sueca se sente tão bem entre os colegas do Leste. “Em primeiro lugar a gente tem que engolir esse modo berlinense direto”, diz ela. “Mas depois, é maravilhoso”. A artista Nina Hoss, 25 anos, vive desde os cinco anos de idade em Berlim e para ela não existe outro lugar na Alemanha. Ela gosta desse humor rude e dessa “coolness”: milhares de políticos e funcionários de Bonn estão de repente em Berlim, as ruas são permanentemente interditadas para as visitas oficiais diárias, em todos os cantos estão rodando filmes, “mas, realmente, ninguém se incomoda com isso. Berlim simplesmente absorve tudo”. Mesmo ela, a nova estrela da Berlinale deste ano, quase ninguém a nota. “Muito bacana”, diz ela, “muito normal. Aqui sou uma entre muitas pessoas”.  
Fonte de idéias - Entre um ensaio e outro, Nina sai do teatro, passa por casas ainda não saneadas, cheias de buracos de tiros da II Guerra Mundial e de grafite feito ontem ou anteontem. Casas de que ela gosta tanto, porque têm sua própria história. Sobe no ônibus da linha 200 e fica observando as pessoas. Às vezes, toma o metrô só para observar essas pessoas esquisitas desta cidade: aquele russo que sempre está batendo no vidro, aquela mulher idosa que sempre está balançando a cabeça. “Daqui tiro as idéias para os meus papéis”, diz ela. “Creio que é por isso que muitas pessoas do cinema vêm daqui. Autores, produtores e principalmente artistas. Berlim é o cérebro. Aqui surgem as idéias”. E os grandes filmes: “Sonnenallee”, “Lola rennt”, “Das Leben ist eine Baustelle”. Se alguma coisa aqui faz falta para ela, então é aquela última porção de milticulturalismo que caracteriza Paris ou Nova York.  
A última vez que Berlim Mitte foi uma cidade internacional foi nos anos 20, quando pessoas de todo o mundo vinham para cá, para lançar pelo menos um olhar nessa metrópole de cultura de vanguarda. Neste meio tempo, desenhistas industriais internacionais já se estão radicando aqui novamente. Companhias multinacionais, especialistas em computação de todo o mundo e propagandistas que dizem: “Berlim vai se tornar uma capital criativa, com uma importância que irá além das fronteiras da Alemanha”. Entretanto, esta cidade em crescimento abriga o maior número de empresas de mulitmídia da Alemanha: 230. Na “Cell Network”, na rua Chausseestrasse, apelidada hoje de “Silicon Street”, o suíço Konstantin von Wittgenstein é responsável pela assistência aos clientes e pelo departamento de planejamento. Von Wittgenstein pergunta: “Onde, na Alemanha, você pode encontrar punks e executivos num mesmo clube?” Ou jornalistas. Dos 2.500 correspondentes que aqui trabalham, 430 vêm do estrangeiro. 54 embaixadas com mais de 2 mil funcionários já se instalaram nos bairros Mitte e Iergarten. Em Berlim vivem atualmente 440 mil pessoas com passaporte estrangeiro. Berlim e seu Mitte também vivem dos muitos pseudônimos, como “Cidade da Mídia”, “Meca da moda”, ou “Cidade do Filme”, que atraem sobretudo os jovenms à cidade – em busca de sobras e restos do grande Hype. Berlim é excitante porque todos – exceto os próprios berlinenses – dizem que ela é excitante, e porque os jornalistas novos em Berlim acham esta cidade terrivelmente excitante e descrevem esse terrivelmente excitante por toda parte. De repente, tudo é hip, se bem que a cena hiphop de Hamburgo seja mais forte. Tudo roda, se bem que em Munique sejam rodados muito mais filmes. Tudo é cosmopolita, se bem que não haja nenhum vôo direto aos EUA. Esta cidade vive de sensação, cujas reminiscências não são fáceis de se encontrar. Esta sensação existindo, mesmo que o “Daily Mail” escreva que esta cidade fede e catinga, e o “Times”, de Londres, a compare com uma bexiga que está prestes a estourar. Mas quando se ouve que o monumento alemão do holocausto será construído sobre as antigas linhas mortíferas do socialismo, sobre a casamata nazista de Goebbles, então jornais como o “Washington Post” chegam à conclusão de que “Berlim é uma simbiose única de história e modernismo”.  
Chique de novo - Muitos se mudaram do centro de Berlim. Nenhum lugar da Alemanha viveu tal flutuação após a virada. Sobretudo famílias e pequenos vendedores foram embora. No Mitte ainda vivem 3.500 crianças. Para o centro mudaram-se os vidrados em clubes, os galeristas. Partes inteiras do Mitte estão vivendo o retorno do chique. De noite, eles deslizam com seus porsches, ferraris, vipers, estacionando folgadamente na fila de fora, na praça Gendarmenmarkt, para ver, mas mais para ser vistos. Os ricos e bonitinhos da nova Berlim.  
Olat Kretzschmar ainda viveu aquele tempo, quando o Mitte era o Arquipélago das Bermudas, como ele o chama. Foi no começo de 90. Um lugar caótico, com pátios interiores escuros que ainda não tinham caído nas mãos das autoridades, com porões embolorados que foram transformados, do dia pra noite, em clubes de música techno. “Você tinha duas pranchas de madeira, um conjunto de som e o seu clube já estava pronto. A gente fazia tudo aquilo que era impensável no resto da Alemanha”. Tudo isso acabou. A anarquia, o underground, o caos – tudo isso acabou. Também no seu local, o conhecimento “Oxymoron”, no Hackescher Markt, são os “estabelecidos” que agora vão almoçar: dentistas, advogados, milionários da internet e políticos que por curto tempo querem fugir para a realidade. Mas lá pelas onze da noite, são outros os tipos que entram pelas portas do “Oxymoron”, esse local com seus tapetes listados de dourado, com pára-sóis franzidos e galhadas de cervos. Vêem-se jovens com skates e tipos vestidos de preto que desaparecem pelas dependências interiores do local, numa “drum’n’tribe-party” ou numa “inner circle night”. Kretzschmar arranjou um meio de unir a juventude da cena com os estabelecidos, estando orgulhoso desta mistura. “O Mitte é assim mesmo.Uma mistura”. Kretzschmar fundou agora uma representação dos proprietários de clubes e organizadores de festas: em volta dos Hackesche Höfe ainda há o asilo de velhos ao lado do nobre restaurante italiano e o barzinho da esquina ao lado da galeria. “Mas a multiplicidade está ameaçada”, diz Kretzschmar. “Queremos manter esse underground”. Nos últimos dez anos gastaram-se cerca de 150 milhões de marcos em construções no centro de Berlim. E ainda há enormes buracos de construção, ruínas são demolidas, palácios são construídos. Surgem novas embaixadas, os Estados federais constroem suas representações. Não passa quase nenhuma semana sem que empresa, uma associação ou uma embaixada festeje a sua inauguração. O monumento do holocausto deverá ficar pronto em 2004. Para a praça Alexanderplatz, o departamento de urbanização prevê uma espécie de pequena Manhattan. O Mitte ainda continua sendo um laboratório de experimentos, uma caixa de montagem, um canteiro de obras, do qual não só desponta a praça Potsdamer Platz, mas também um segundo mega-projeto que começará a funcionar em 2005: a Estação Lehrter.  
A hegemonia - No ano de 2000, Berlim alcançou um aumento de 25% no turismo, registrando 11 milhões de pernoites. Sendo assim, a capital alemã está, em âmbito europeu, em quarto lugar, depois de Londres, Paris e Roma. E também o número de visitantes já ultrapassou o de Munique ou o de Heidelberg. Somente a Love Parade traz 1,5 milhão de visitantes para Berlim. Dois milhões visitam anualmente a cúpula do Reichstag. Além disso, está crescendo o número de manifestações, grandes eventos políticos, festivais, bailes e galas que se realizam nos antigos locais do underground que agora se tornaram chiques. E quase não há ninguém, nem mesmo o maior inimigo da transferência do governo, que se oponha hoje à hegemonia da capital alemã.  
O ferro de passar roupas desliza sobre o fresco avental de farmacêutico. Brigitte Schröder, 62 anos, está em forma. E do pequeno rádio soam os Beatles pelo seu salão: “We all live in a yellow submarine”. Como naqueles tempos, quando ela, em 1969, abriu aqui o salão Gardinnenspannerei Schröoer. Naquela época só se podia ouvir os Beatles através das “emissoras inimigas”, e Walter Ulbricht era o número um na RDA. E o Mitte? Naquela época era só o Alex, um pedaço da rua Unter den Linden e 80 metros da rua Friedrichstrasse. Casas novas, restaurantes novos, lojas novas. Ela adora o novo Mitte. “De vez em quando boto uma roupa bonita, vou passear pela Friedrichstrasse, passo pela Linden e entro na Lafayette. Daí entro compro uma coisa bonita”. Ela não toma conhecimento de pessoas notáveis. Há tantos deles por aí, que ela não poderia dizer quem é quem. “Mas é bom que todos estão aqui”


Berlim, Mitte
Música de rua, nos Hackesche
Idílico, anárquico, desleixado ou elegante: o bairro Mitte tem um pouco de tudo e tudo ao mesmo tempo, seja num bar da rua Oranienburgerstrasse ou nos Hackesche Höfe (na página à esquerda)
O bairro de Mitte produz impressões, mas nunca a imagem completa. Ele só é antítese: não se enquadra em categorias

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