Vertigem transparente
Em Soma Bay, no Egito, a austeridade do Sara rende-se à exuberância colorida dos recifes de coral do mar Vermelho. Um contraste improvável e um mergulho na beleza absoluta.
O mar Vermelho aqui não é nem vermelho nem azul: é transparente. Nestas águas, é fácil ser assaltado pela sensação estranha de estar num mar que não está lá: ao caminhar pela praia; ao pisar a água sem dar por isso; ou a 30 metros de profundidade, olhando para cima e vendo o casco do barco pairando, rodeado de peixes de todas as cores do espectro marinho. É possível, até, adivinhar as nuvens que correm fugidias sob o sol, ainda que sobre as nossas cabeças pesem 20 metros de água. Mergulhar aqui é flutuar num céu líquido, envolvente e morno.
Soma Bay é um dos destinos mais recentes da costa oeste do mar Vermelho. Situada a cerca de 30 quilômetros ao sul de Hurghada, não corre o risco de transformar já numa versão egípcia de centro turístico massificado. E isto por uma razão elegante e simples: estamos no verdadeiro deserto. Com razão, alguém já disse que se pode viajar por todo o mundo sem encontrar um hotel com o dramatismo do Sheraton de Soma Bay, construído num estilo neofaraônico baseado no templo de Karnak em Luxor. A chegada ao hotel é uma sequência da beleza esquizofrênica. Do minimalismo do deserto absoluto, passa-se a um campo de golfe (desenhado por Gary Player, com 18 buracos e um par 72) e deste para uma estrada monumental numa avenida de esfinges que faria inveja aos faraós menos abastados da XX Dinastia.
A beleza do mar Vermelho reside, sobretudo, na surpreendente transição entre o nada do deserto e o tudo do próprio mar. E esse contraste só pode ser devidamente apreciado por quem aproveite o privilégio da proximidade de alguns dos mais extraordinários recifes de coral do planeta. O mergulho na região de Soma Bay, ou, mais precisamente, na região de Safaga, centra-se em duas cadeias de recifes paralelas à costa, formando uma ampla baía com mais de 20 quilômetros de comprimento. O recife interior fica a menos de 20 minutos do porto e é composto por pequenos grupos de ergs (pilares coralinos que tocam a superfície), onde é fácil perder o desejo de voltar à tona. Estes recifes devem o nome à expressão “Tobia Arbaa”, que significa “os quatro Tobias”, embora os Tobias sejam realmente sete.
Um pouco mais a Sul, encontramos Tobia Hamra, que significa “o Tobias vermelho”, embora não seja sequer remotamente vermelho, o que nos dá o tom aproximado da mentalidade local: não vale a pena prestar atenção a pormenores insignificantes. A leste deste recife interior, encontramos um degrau que nos leva a profundidades da ordem dos 400 metros e, na zona limite da baía, a cerca de duas horas do porto, descobrimos outra extraordinária crista de recifes: Panorama, Middle Reef, Hal-Hal, Abu Kafan e Shaab Sheher. Destes, todos de irreal de beleza, destaca-se Panorama Reef, com a sua mundialmente famosa Anemone City (um grupo de anemonas e peixes-palhaços que chegam quase à superfície) e uma parede de coral com muitas centenas de metros de comprimentos, repleta de felizes surpresas que se sucedem desde a superfície até um degrau a cerca de 35 metros de profundidade, que cai em diante no azul, até uma profundidade demasiado escura para que se fale dela sem arrepios.
A vertigem do azul é, aqui, incomensurável. Só que não é vertigem porque não desnorteia e não é azul porque é transparente. Mas, também, porque razão há de se dar atenção a pormenores tão insignificantes
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A beleza do mar Vermelho reside, sobretudo, na surpreendente transição entre o nada do deserto e o tudo do próprio mar.
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