No mercado do luxo a concorrência está evoluindo das marcas para os criativos. Os grupos Gucci e LVMH competem pelos melhores designers para assegurar o crescimento das vendas do seu portfólio de marcas.
O ambiente é quente nos bastidores dos desfiles de moda das mar
cas de luxo. Desta vez não é o stress de preparar as modelos para desfilar, mais sim o frenesi competitivo para segurar os melhores talentos entre os grupos Gucci e LVMH (Louis Vuitton Moet Hennessy). Enquanto no passado um bom nome de marca, associado à exclusividade e a valores como prestígio, chegava para construir um negócio, hoje a concorrência entre estes dois grupos vem provar que o mais importante é apostar na criatividade de novos e talentosos designers. A nova lógica deste nicho de mercado, assumida na sequência da batalha entre Gucci e LVMH, traduz-se na aposta em principiantes ou em estilistas já com nome no mercado, dispostos a criar a sua marca própria. Como explica o CEO da Gucci, Domenico De Sole, “não se pode construir uma operação de multimarcas de moda sem um conjunto de talentosos designers”.
Gestores e estilistas - Negociando simultaneamente, Domenico De Sole e Bernard Arnault (CEO do grupo LVMH) guerreiam para conquistar os estilistas mais criativos, os potenciais negócios mais apetitosos, as melhores localizações de lojas, os gestores mais habilitados e as idéias inéditas de publicidade. Nos últimos dois anos o movimento de criadores conhecidos e desconhecidos entre as duas casas quase pode ser descrito como frenético. Um dos exemplos mais midiáticos foi a passagem de Alexander McQueen, depois de cinco anos à frente da Givenchy (grupo LVMH), para a equipe Gucci, onde passou a desenvolver a sua própria marca. Recordando o seu trabalho para Arnault, este designer queixa-se do excesso de coleções que produzia anualmente e da falta de interesse deste grupo pelas suas criações. No sentido inverso, o designer Hedi Slimane, que criava roupa de homem para a marca Yves St. Laurent, desertou da Gucci para o grupo LVMH porque não queria perder a sua autonomia quando ficasse sob a orientação de Tom Ford (diretor criativo da casa italiana).
Quanto às novas apostas da Gucci, o grande destaque é a conhecida estilista filha do cantor dos Beatles, Stella McCartney, que abandonou suas criações na Chlóe para criar a sua rede de lojas, com o apoio financeiro desta casa, mantendo a sua inddependência e autonomia para gerir o negócio. Também Sérgio Rossi, com os seus originais sapatos, é outra das recentes apostas em talentos criativos da equipe Gucci. Para completar este leque de apostas correm rumores não confirmados que o jovem estilista Nicolas Ghesquiére (com a marca de alta costura Balenciaga) poderá ser outra aquisição em vista.
Lucro e talento -Do lado da concorrência, a procura de criativos é também agitada e depois de MacQueen ter passado para a Gucci, o estilista Julien MacDonald veio substituí-lo nas criações para a Givenchy. Sabendo que os seus lucros dependem do talento dos seus artistas, Arnault continua a segurar importantes estrelas criativas, como John Galliano (criativo das coleções Christian Dior), Marc Jacobs (criativo para a roupa marca Louis Vuitton), Michael Korks (criador da marca Celine) e por último Hedi Slimane (criador de moda masculina de Christian Dior).
Ao que parece, as estratégias das multimarcas estão dando resultados. O turnaround da Gucci concretizado nos últimos dois anos e encabeçado pelos seus dois homens fortes, Tom Ford e Domenico De Sole, é apontado pelos analistas como um dos mais surpreendentes da indústria da moda. Num artigo que foi capa da “Times” em abril deste ano, estes dois empreendedores são conotados por terem transformado uma empresa cansada e cheia de dívidas numa casa poderosa que vale oito milhões de dólares. Recorde-se que o grupo Gucci gere o negócio Yves Saint Laurent, as jóias Boucheron, Bottega Veneta, Roger e Gallet e a marca de relógios suíça Bédat & Co. Cotado na bolsa de Nova York e Amsterdã desde 1995, o valor das suas ações não tem parado de crescer de dois anos para cá. Fator decisivo para esta evolução tem sido os resultados do grupo, notadamente os do ano 2000: as vendas aumentaram 83%, para 2,258 milhões de dólares e os lucros cresceram 49% para 408 milhões de dólares.
Sapatos e malas - No que diz respeito à marca Gucci, cuja fatia mais apetitosa do negócio é a linha de sapatos e malas (que representa 45% das suas vendas), as receitas aumentaram 26% relativamente a 1999, cifrando-se em cerca de 1,5 mil milhões de dólares.
O grupo LVMH, por sua vez, controla 19% do mercado de marroquinaria (peles de cabra) e acessórios, e ocupa o primeiro lugar de vendas de produtos de luxo. Do seu portfólio de marcas, que não tem parado de crescer desde 1990, fazem parte nomes como Kenzo, Celine, Loewe, Pucci, Dona Karan, Thomas Pink e outras marcas de cosméticos (Fresh) e perfumes (Guerlain, Dior e Givenchy), relógios (Ebel e Tag Heuer), joalheria (Chaumet) e champanhes (Dom Perignon, Veuve Cliquot, Moet & Chandon e Krug).
Quando conquistou a marca Yves Saint Laurent, por intermédio do negócio com François Pinault, o grupo Gucci abraçou uma nova estratégia, aberta a novos negócios ligados ao mundo da moda. O problema é que esta diversificação de marcas representa uma ameaça para o grande concorrente Bernard Arnault que tem feito todo o possível para controlar mais de 20% que detém do capital da Gucci e para deter mais poder de decisão sobre os seus destinos.
Regras de transparência - O midiático conflito legal que parece não ter fim iniciou-se em março de 1999, quando Arnault processou a empresa da família italiana por ter efetuado um aumento de capital reservado, possibilitando ao grupo PPR (Pinault-Printemps-Redoute) controlar 42% do capital da Gucci. Esta transação entre o grupo PPR e a Gucci está sendo avaliada, no seguimento de várias decisões judiciais, por um tribunal holandês, porque Arnault alega que esta operação se realizou secretamente e violou as regras de transparência de empresas cotadas.
Defendendo-se, a Gucci acusa LVMH de abusar da sua posição como acionista, concretizar tomadas de controle hostis, exercer influências anti-competitivas sobre o negócio e perturbar a estratégia de parcerias, violando as leis de concorrência européia.
Igualmente complicados, e fora dos tribunais, são os desafios da conjuntura de mercado. Se por um lado, os dois grupos confrontam-se com o abrandamento no consumo dos produtos de luxo em mercados importantes, como nos EUA e Japão, por outro tem de gerir profissionalmente os seus recursos mais preciosos: os talentos criativos.
Fator competitivo - Como explicou o responsável pelos recursos humanos do grupo Gucci, Renato Ricci, num encontro internacional do Hay Group em Florença, “o verdadeiro fator competitivo reside na capacidade de inovar e na criatividade dos nossos colaboradores”, como por exemplo, este diretor explicou que a função de modelista na Gucci é tão bem paga como a de um gestor da administração, uma vez que os primeiros são “mestres”. Lembre-se que todos os produtos Gucci têm origem na Itália e a marroquina é artesanalmente fabricada na região de Florença. Quem acompanha o desenvolvimento deste mercado defende que o maior desafio desta marca será manter-se anualmente na crista da onda no que diz respeito à inovação das diferentes marcas que gere.
Relativamente ao grupo LVMH, os críticos de Arnault sublinham a sua excessiva preocupação em conquistar novas marcas, colocando para segundo lugar a sua consolidação. Há mesmo quem se arrisque a afirmar que tudo se explica por um impulso de vaidade para controlar marcas famosas, uma vez que muitas acabam por ser concorrentes entre elas. Outro fator negativo é a forte dependência do negócio numa só marca: mais da metade dos seus lucros operacionais, 1,2 mil milhões de dólares, são provenientes das vendas da Louis Vuitton.
Para se distanciar destas críticas. Domenico De Sole esclareceu no mesmo artigo publicado na “Times” que “não compramos nada a ninguém. Eu e o Tom fizemos esta empresa. Adquirimos empresas para as gerir e não só para fazer aquisições.” Para este, os analistas estimam que a divisão Gucci cresça mais 10% nas suas vendas. Já o grupo LVMH antevê alguma incerteza relativamente aos lucros em 2001, mas o maior entrave parece estar na dificuldade em reter os seus executivos e designers. Porque a fuga de talentos está acontecendo não só ao nível dos estilistas (caso de McQueen) mas também aos níveis dos quadros de gestão. Por exemplo, o presidente da Louis Vuitton Malletier, Gianluca Brozzetti, foi para os joalheiros britânicos Asprey & Garrad e Tierry Adretta, que ajudou no Turnaround da marca Celine (LVMH), mudou-se para Gucci.
Baixo turnover - Karen Lombardo, administradora de recursos humanos da Gucci nos EUA, confirmou no encontro internacional do Hay Group que “pagamos o necessário para conquistar as melhores pessoas. O baixo turnover da empresa fica-se a dever ao fato de existir uma grande partilha de projetos, de ser uma organização simples e com poucos níveis hierárquicos, e por último porque se aposta no desenvolvimento de um espírito de empreendedorismo”.
Vamos ver se estas características serão suficientes para manter os criativos e gestores na Gucci e que estes não passem para a concorrência antes de criarem a próxima coleção
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