Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 325
Data:
28/2/2003
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Opinião Pública
Entrevista

O deputado estadual Cláudio Vereza (PT), 52 anos, cinco filhos, chega pela primeira vez à presidência da Assembléia Legislativa do Espírito Santo no caldo de uma articulação que envolveu os governos estadual e federal e em meio a uma guerra de liminares na Justiça, envolvendo os mandatos de sete deputados reeleitos, todos ligados, de alguma forma, ao ex-presidente José Carlos Gratz (PFL), impedido pela Justiça Eleitoral de tomar posse de seu quarto mandato.  
Vereza é daqueles tipos de fala mansa, mas firme, desde muito cedo envolvido com lutas populares no Espírito Santo. Mas sua primeira grande luta foi pela vida. Aos 15 anos, apareceu-lhe um tumor na medula. Depois de extraí-lo, o médico o mandou para casa, “para morrer junto aos parentes”. Vereza, como se vê, não apenas não morreu, como adquiriu uma extraordinária vitalidade.  
Ficou dependendo de uma cadeira de rodas para se locomover, o que não o impediu de se envolver profundamente, primeiro, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) da Igreja Católica, e daí para a fundação do Partido dos Trabalhadores no Espírito Santo, em 1980, seguindo-se uma vigorosa militância política, incluída a presidência do partido de 1992 a 93.  
Em 1986 elegeu-se pela primeira vez deputado estadual. Foi o quarto mais votado para deputado federal em 1990, mas não se elegeu por falta de legenda. Voltou candidato à Assembléia em 1994, elegeu-se e entrou em seu terceiro mandato consecutivo, com 37.610 votos, o mais votado das últimas eleições. Um reconhecimento por sua atuação na CPI da Propina, que sacudiu o governo de José Ignácio Ferreira.  
Disputou outras eleições. Perdeu a disputa pela prefeitura de Vila Velha duas vezes. A primeira como candidato a prefeito, em 1988, e a segunda como vice-prefeito numa coligação de partidos de esquerda, em 1992, com Arnaldo Mauro (PSB).  
Agora, Vereza, que sempre esteve na oposição de forma sistemática, tem a chance de fazer, na presidência da Assembléia, as mudanças daquilo que sempre condenou. Sua eleição não foi fácil. Dependeu de ampla mobilização, até mesmo do Ministério Público Estadual, levando à anulação da primeira eleição, que colocou o deputado Geovani Silva no cargo por cinco dias, com o apoio dos deputados do grupo conservador. Depois de eleito, Vereza assumiu um discurso de conciliação com todos os parlamentares, até mesmo com os sete afastados, se voltarem à Assembléia.  
– Deputado Cláudio Vereza, o que vai mudar na Assembléia Legislativa com sua eleição para presidente e essa nova Mesa Diretora?  
– Em primeiro lugar, é o fim de uma era que perdura há mais de uma década. Uma era em que o Poder Legislativo trabalhou sempre por meio de relações informais com alguns setores empresariais. A Assembléia vai se resgatar como um poder entre os três poderes da República, independente e autônomo, mas que nesse momento, em que o Estado passa por uma crise, vai contribuir para o processo de reconstrução do Espírito Santo.  
O segundo aspecto é que a Assembléia passa a se abrir para a sociedade. Não será mais um poder fechado, autoritário, repressor a todo tipo de manifestação, seja popular, seja da sociedade como um todo. A Assembléia tem que se resgatar como casa do povo abrindo espaço de participação da sociedade, seja na área legislativa, na área de eventos ou em sua estrutura física, de seu prédio.  
Temos um plenário fechado, onde não há interação com as galerias. Havia um sistema de segurança calcado na repressão a todo tipo de manifestação, muito rígido e autoritário. A área administrativa sempre foi sem transparência e, a partir da posse, estamos fazendo um levantamento de toda a situação administrativa da Casa, desde diárias, contratos, patrocínios, promoção de eventos, gratificações de servidores. Tudo o que tem a ver com a área administrativa estamos levantando, conhecendo, e tomando medidas que estamos chamando de reforma administrativa, e que vai propiciar economia de recursos e transparência total das atividades.  
– De que forma essas medidas se refletirão nas atividades parlamentares?  
– Já estamos alterando as relações entre Presidência, Mesa Diretora, Colégio de Líderes e conjunto de deputados. Queremos democratizar ao máximo as decisões mais importantes e, com a participação máxima de todos os deputados, valorizando as bancadas, o Colégio de Líderes, que representa essas bancadas, e dando maior unidade na atuação da Mesa Diretora, o presidente, primeiro e segundo secretários.  
Creio que deve mudar também a relação entre dirigentes da Casa e servidores. É preciso quebrar a relação autoritária que havia entre diretores e servidores. Nós vamos ter que profissionalizar mais o conjunto de servidores, reequilibrar a situação existente hoje, de 70% de cargos comissionados e 30% de cargos efetivos. E entre os cargos efetivos ainda há uma situação pendente judicialmente que é o concurso anulado em 1995.  
– Como o sr. pretende tratar essa questão do concurso?  
– Estamos aguardando uma decisão judicial para, a partir daí, analisarmos concretamente o que fazermos com o quadro de servidores efetivos.  
Esses são os eixos principais. O saldo desses primeiros dias eu creio que seja a reconciliação da Assembléia com a sociedade. Quem anda na rua, tem contato com setores os mais diversos da população, sente que a população e a Assembléia se reconciliaram. Havia uma rejeição total da Assembléia e agora há uma reconciliação forte.  
O clima de crise, de confronto, de corda esticada da primeira semana, está se transformando num clima de parceria, companheirismo e de percepção de que a mudança da Assembléia reverterá a bem dos mandatos dos parlamentares. Todos estão sentindo que há um novo clima no ar.  
– Houve, na primeira eleição, que foi anulada, um acordo que garantia sua eleição, mas que foi rompido no contexto do voto secreto. Houve falhas na articulação? A que o sr. atribui a quebra desse acordo? Por que isso aconteceu assim de forma tão flagrante e assustadora?  
– Creio que foi um conjunto de situações. Em primeiro lugar, creio que a velha Mesa Diretora, presidida pelo deputado José Carlos Gratz, tentou envolver os novos deputados para se perpetuar no poder, mesmo não o tendo como presidente. Em torno desse movimento esse grupo se fechou muito. Inclusive se fechou num hotel. Isso gerou um clima de corda esticada, de confronto entre dois setores da Assembléia. Creio que isso foi o principal. Uma reação contra o Executivo e contra o PT.  
Toda crise leva a uma luz, a uma solução mais na frente, na busca de caminho. E a crise fez os deputados novos acordarem, perceberem tudo o que estava em jogo na mudança e na transição da velha para a nova Assembléia.  
– Houve, em sua avaliação, ingenuidade dos novos deputados?  
– Acho que houve um grande grau de ingenuidade. Faltou experiência à maioria deles, e sobrou habilidade nos velhos deputados, que envolveram os novos nesse bloco.  
– A Assembléia está funcionando com 23 deputados, mas os sete que não estão lá não foram cassados, foram somente afastados temporariamente. Se eles voltarem a exercer o mandato, qual vai ser a relação da Mesa Diretora com eles?  
– Acho que vamos ter que reconstruir as possibilidades de relação com todos os 30 deputados e entre todos os 30. E isso será feito valorizando bastante as bancadas parlamentares. É preciso resgatar esse aspecto da vida parlamentar, que são as bancadas, mesmo que no Brasil e no Espírito Santo o sistema partidário seja muito frágil. Mas quanto mais valorizarmos a estrutura de bancadas, e as relações entre elas, estaremos reconstruindo as relações na Assembléia de forma mais harmoniosa.  
– Deputado, ser eleito dentro de um contexto em que a primeira eleição foi anulada pela Justiça, e algumas pessoas até questionam se não houve ingerência de um poder sobre o outro, gera uma certa instabilidade ou é motivo para firmar ainda mais seu compromisso com essas mudanças? Como o sr. se sente dentro disso?  
– É esse segundo aspecto que você falou. É desafiante estar dentro desse processo como presidente e buscar reconstruir e reconciliar os 30 deputados. A reconciliação entre si e entre a Assembléia e o restante da sociedade. Esse é um desafio que me enche de energia e de vontade para, de forma habilidosa e firme, trabalhar.  
– Quando se elege uma Mesa com tanta participação do Poder Executivo, como foi o caso do Espírito Santo, não existe o risco de uma certa hegemonia de um poder sobre os demais? O Executivo não pode continuar exercendo uma certa pressão sobre a Assembléia? Como vai ser essa relação, esse equilíbrio de forças?  
– Não creio que ocorram problemas, porque o governador é um democrata e a Assembléia é formada por representantes da população, democraticamente eleitos, e o respeito à autonomia e independência dos três poderes é fundamental para que haja harmonia entre eles. Pode parecer paradoxo: independência e autonomia e, ao mesmo tempo, parceria e harmonia.  
A situação que vive o Espírito Santo há muitos anos é grave e de crise. O Estado não consegue se colocar como provedor de serviços à população, exatamente porque não havia respeito à independência e autonomia dos poderes. De um lado a Assembléia num movimento de chantagem com o Executivo, de relações muito informais e promíscuas, isso tudo trazia muitos problemas para o desenvolvimento do Estado e para a busca de soluções para o governo e o Estado.  
Creio que agora há um clima que favorece a busca de soluções, claro que obedecendo à autonomia e independência de cada poder.  
– Houve um momento crucial naquele primeiro dia da eleição da Mesa, que causou constrangimento para quem conhece um pouco de história, a chegada do Ministério Público, aquele conflito com a segurança, aquela coisa meio mal explicada e que trouxe até lembranças dos tempos em que se invadiam parlamentos, se impedia pela força a realização de sessões parlamentares. O sr. vem de um partido que enfrentou esse tipo de situação. Como o sr. se sentiu naquele momento de conflitos? Teve essa reflexão? E qual sua visão sobre a legitimidade de todo aquele imbróglio jurídico, se fazendo ou se deixando de fazer uma eleição com base em liminares da Justiça?  
– Foi tudo fruto daquele clima de corda esticada, de confrontos entre grupos e que acabou redundando em tudo o que aconteceu. De um lado, o esquema que perdura há mais de uma década querendo se perpetuar no poder de toda forma e que impede que os promotores e oficial de justiça entrem na Casa, por meio de quatro barreiras, impedem que a decisão judicial chegue ao plenário e à presidência; ao mesmo tempo, o Poder Judiciário querendo se fazer legítimo.  
Foi um momento de confronto, mas creio que a partir de agora tende a haver um processo de re-harmonização entre os três poderes, de tal forma que se possa tocar essa reconstrução do Estado.  
– Vamos falar um pouco de PT. O partido teve sua experiência administrativa com a eleição do governador Vitor Buaiz, entrou em baixa com todos aqueles problemas com o Vitor, e agora volta através de sua figura, da nova bancada do PT, a eleição de uma bancada no Congresso, com a força de seu presidente, João Coser. Qual o projeto político de poder do PT hoje no Espírito Santo?  
– Nosso projeto é de crescermos na atuação institucional. Vamos disputar as eleições municipais com maior força, especialmente com bons resultados do governo Lula, que vai trazer um crescimento grande para o partido. Vamos tocar um projeto de busca da volta ao poder no Estado, a médio e longo prazo.  
– Isso coloca em risco, de alguma forma, a harmonia que existe a partir desse momento entre o Executivo e o Legislativo, uma vez que o PT tendo um projeto de poder isso vai se confrontar com o projeto do grupo que chega hoje ao Palácio Anchieta? Quanto tempo vai durar essa harmonia diante de projetos de grupos distintos?  
– O eixo principal é a aliança em torno da reconstrução do Estado. Enquanto esse eixo estiver sendo trabalhado vai permanecer essa aliança. E, na nossa opinião, todas as forças políticas do Estado estão sendo chamadas a contribuírem com esse processo, caso contrário não tem saída para o Estado. A saída é a conjugação de todas as forças em vista dessa reconstrução.  
Agora, todo partido, e todo grupo de aliança, têm projeto de poder, implantar seu programa, crescer. O PT é um partido organizado, consolidado, que busca atuar de forma programática, e é com base na consolidação desse programa que vamos atuar daqui para frente.  
– É uma situação curiosa que o PT esteja aliado hoje com o governador quando há três meses o sr. e todo o PT estavam no palanque do ex-governador Max Mauro, que se colocou em oposição à candidatura de Paulo Hartung, vitoriosa. As pessoas comuns entendem essa mudança? E como o sr. a justificaria?  
– Na verdade, as pessoas comuns não compreenderam porque o bloco de oposição se dividiu. Porque antes do início do processo eleitoral do ano passado todas essas forças estavam juntas. Unidas no fórum Reage Espírito Santo, no bloco de oposições, no processo de impeachment, no pedido de intervenção federal no Estado, no combate à corrupção e ao crime organizado, nas denúncias contra o governo do José Ignácio.  
Todos marcharam juntos no processo municipal. Quem participou da campanha de Max Filho em Vila Velha fomos nós do PT, o governador Paulo Hartung, o prefeito Sérgio Vidigal, da Serra. Na verdade as eleições passadas é que foram um sinal estranho para a população. Agora acho que há um chamado de todas essas forças para que se unifiquem em busca da retomada do desenvolvimento do Estado, da busca da eliminação da exclusão social.  
É por isso que o PT retoma esse curso e resolveu aceitar o convite do governador de participar do governo.  
– O apoio do governador ao sr. foi lido como uma busca de aproximação do governo federal, a busca de um tratamento diferenciado do governo do PT para com o Espírito Santo. O sr. acredita que isso possa trazer resultados concretos de benefícios para o Estado?  
– Já está havendo sinais disso com a garantia de um acordo do governo federal com o governo do Estado para a antecipação dos royalties de petróleo, que vai contribuir para o pagamento das contas atrasadas, principalmente com os servidores públicos estaduais.  
Há outros sinais, como a parceria entre as áreas de segurança, do Ministério da Justiça com a área de segurança estadual no combate à corrupção e ao crime organizado, e na construção de um projeto de segurança pública para o Estado.  
Há notícias de que o Ministério da Educação pretende adotar aqui no Estado um projeto piloto na área. Enfim, há sinais muito concretos de uma parceria muito forte entre os governos federal e estadual, que vai resultar em benefícios para a população capixaba.  
– Qual sua avaliação do governo Lula até esse momento e dessa necessidade que o PT encontrou de flexibilizar algumas antigas posições que o partido tinha e que, uma vez no poder, teve que revê-las em nome da governabilidade?  
– Em nome também da busca da superação da profunda crise econômica que vive o país. O governo Lula está tendo que enfrentar essa questão econômica com muita seriedade e equilíbrio, para que o país não caia numa Argentina. Foi por um triz que aconteceu tudo na Argentina, por falta de firmeza na política econômica. Essa austeridade na área econômica pode redundar em benefícios na área social, já que a sensibilidade do governo Lula está também voltada para avanços na área social.  
– O sr. continua estudando Comunicação Social na Ufes?  
– Com muita dificuldade, porque é muito difícil compatibilizar os horários, agora quase todos tomados com a Mesa Diretora.  
– Vai conseguir escapar do jubilamento (desligamento do estudante após sete anos de matriculado sem concluir o curso)?  
– Vai ser um desafio grande. Esse é um novo desafio que estou enfrentando nesses dias.  
– Qual dos dois é maior?  
– Com certeza o da Assembléia. Com os professores eu posso fazer uma negociação de apresentação de trabalhos e outras formas de demonstrar que estou participando do período letivo.  
– Mas o sr. não usa “laranjas” para fazer os trabalhos, não é?  
– Não. Eu tenho a participação em grupos e, na medida do possível, dou minha contribuição nesses grupos  
 
Deus e o diabo na Assembléia  
do Espírito Santo
 
O novo período legislativo já começou de forma atípica no Espírito Santo. Apenas 29 dos 30 deputados estaduais tomaram posse no dia 1º de fevereiro de 2003, porque era um sábado e Délio Iglesias, um discreto vereador que assumira como suplente nos últimos dois anos em Vila Velha e conquistou uma vaga no parlamento estadual com pouco mais de 7 mil votos numa coligação de partidos nanicos, é adventista e pediu para assumir posteriormente.  
Por conta da posse incompleta, uma emenda de alguns dias antes no regimento interno, devidamente negociada, pela primeira vez permitia que a eleição da nova Mesa Diretora fosse feita depois do dia 1º – marcada, então, para o dia 3, uma segunda-feira, logo depois da sessão solene de posse de Délio Iglesias, que teve muito mais espaço do que seus pares – uma festa toda sua, com direito à presença de toda a família, sem os atropelos de dois dias antes, e de centenas de “irmãos de igreja” nas galerias, dentre eles os meninos e meninas uniformizados dos Desbravadores, organização de crianças e adolescentes da Igreja Adventista.  
Na nova Assembléia, seis dos 30 deputados foram eleitos predominantemente com os votos do segmento religioso evangélico. Além de Délio, cujo sobrenome significa igreja, numa semi-transliteração do grego para o latim e para o espanhol, são deste grupo Reginaldo Almeida (Assembléia de Deus), Robson Vailant (pastor da Igreja Universal), Euclério Sampaio (Quadrangular), Geovani Silva (Maranata) e Edson Vargas (Batista).  
Os seis religiosos estão entre os 20 deputados de primeiro mandato no renovado parlamento, completado por dez deputados reeleitos, sendo nove deles ligados, anteriormente, ao grupo do ex-presidente José Carlos Gratz (PFL) e o outro o petista Cláudio Vereza, cuja atuação nos últimos quatro anos foi marcada pelas denúncias contra o governo de José Ignácio Ferreira.  
Imbróglio – Desde que foram eleitos, em 3 de outubro, os deputados vinham desenvolvendo conversações em torno da eleição da nova Mesa Diretora da Casa, sempre pautadas por uma condicionante – se José Carlos Gratz estaria ou não no páreo. Reeleito para seu quarto mandato, Gratz foi logo enfrentando uma denúncia do Ministério Público estadual de que teria cometido irregularidades ao direcionar dinheiro de impostos da Companhia Siderúrgica de Tubarão para obras em Vila Velha utilizadas como instrumento de campanha eleitoral.  
Por causa dessa denúncia, a Justiça Eleitoral acabou não diplomando José Carlos Gratz para o quarto mandato. Correu uma série de ações judiciais, todas perdidas pelo deputado nas instâncias estaduais e, por último, recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que foi postergando seu julgamento, ultrapassando a data da posse e lá não estava aquele parlamentar que mais poder acumulou e mais polêmica causou no Espírito Santo por pelo menos uma década.  
Os movimentos visando a escolha do comando da nova Assembléia foram feitos calculada e calmamente nos quatro meses entre a eleição e a possee. Um dos principais deles foi a votação, pelo antigo parlamento, onde o grupo de José Carlos Gratz era majoritário, de uma emenda ao regimento interno da Casa acabando com o voto em aberto e restabelecendo o voto secreto, inclusive para a Mesa Diretora. Isso mudava tudo na queda de braços, conforme vai-se ver mais à frente.  
As candidaturas – As articulações para a eleição da nova Mesa da Assembléia caminharam para a última semana antes da posse com o seguinte quadro: uma candidatura posta do lado do governador Paulo Hartung com o nome de Cláudio Vereza (PT) e uma outra, do outro lado da corda, com um nome que tudo indicava ser o do segundo deputado mais votado do último pleito, Marcelo Santos (PTB), que sequer conseguira ser vereador em Cariacica mas que, com a força da máquina administrativa do pai, o prefeito Aloízio Santos (PSDB), chegou à Assembléia com mais de 30 mil votos, atrás apenas de Vereza.  
A aliança do governo do Estado com o PT de Vereza era uma tática para se tentar obter uma atenção especial do novo governo brasileiro, do petista Luiz Inácio Lula da Silva. E reuniu, inicialmente, os quatro votos do PT, dois do PSB, dois do PPS e um do PSDB, cada vez mais esvaziado e sem perfil definido no Espírito Santo.  
Esse carro do governo na Assembléia parecia não andar quando, uma semana antes da escolha da Mesa Diretora, um dos novos deputados, Edson Vargas, do PMN, discordando da decisão do “grupão”, então com 21 parlamentares, de que a nova direção da Assembléia poderia ter a participação até mesmo de um dos deputados reeleitos, ligados a Gratz, abandonou as conversas que mantinha lá e declarou voto no candidato do governo.  
A renúncia – A velha Assembléia havia aprovado uma emenda ao regimento determinando que a sessão que escolheria a nova Mesa Diretora seria dirigida pelo deputado que estivesse na presidência da Casa anteriormente ou, caso ele não tivesse sido reeleito, pelo deputado menos jovem da nova legislatura.  
Vice-presidente da Assembléia Legislativa nos últimos quatro anos, o deputado José Ramos Furtado (PFL) foi guindado à condição de presidente por uma renúncia estratégica de José Carlos Gratz na antevéspera da posse, e começou a freqüentar o Palácio Anchieta – teria mudado de lado 48 horas antes do pleito interno, embora isso nunca tenha ficado muito claro nos momentos que antecederam o 1º de fevereiro. Mas o candidato apoiado pelo governo ainda assim patinava nos 10 ou, no máximo, 11 votos.  
A eleição para a Mesa Diretora parecia perdida pelo governo, apesar do discurso emocionado do governador Paulo Hartung na posse do novo parlamento, pedindo um prazo de dois anos para colocar o Espírito Santo nos trilhos – “depois disso, se eu não cumprir o que estou prometendo, não precisam me dar mais voto nenhum”, disse ele, tentando convencer – e voto para Vereza. Mas, como se disse muito à época, e agora na entrevista desta edição reafirma Cláudio Vereza, a corda estava muito esticada.  
Intimidação – O tensionamento começou com o pedido de prisão de cinco deputados (todos do grupo de reeleitos, ligados a Gratz), feito pelo Ministério Público Federal alguns dias antes – abatendo em pleno vôo o candidato mais forte à presidência da Assembléia, Gilson Gomes (PFL) –, prosseguiu com o pedido de afastamento deles pelo Ministério Público Estadual como ato contínuo, e chegou ao ponto máximo, até então, quando, na véspera da posse, os deputados do “grupão” se isolaram num hotel das montanhas capixabas e lá apareceram agentes da segurança pública estadual no sentido claro de intimidá-los, conforme denunciou publicamente um dos parlamentares, Sérgio Borges (PMDB).  
A posse transcorreu em clima passional, revelado nos discursos dos deputados antigos e do próprio governador, que durante a campanha eleitoral já não conseguira convencer os eleitores capixabas a dar-lhe maioria na Assembléia e, agora, não parecia conseguir convencer os deputados, principalmente os novos, que decidiriam a eleição da Mesa, de seus propósitos. As cantigas feitas pelos antigos parlamentares pareciam mais afinadas aos sensíveis ouvidos políticos dos neófitos do parlamento.  
As surpresas, porém, ainda estavam por vir. A eleição seria feita 48 horas depois e isso é uma eternidade em política. Nesse período, lideranças do PL (senador Magno Malta) e do PPB (deputado federal Nilton Baiano) fecharam uma aliança com o PT garantindo o apoio de cinco de seus seis parlamentares a Cláudio Vereza para presidente – com direito a foto de celebração nos jornais de domingo e tudo.  
No final da tarde do domingo, dia 2, véspera da eleição da nova Mesa Diretora, a Justiça decretou o afastamento de cinco deputados – Gilson Gomes (PFL), José Tasso (PFL), Coronel Gazzani (PFL), Sérgio Borges (PMDB) e Gilson Amaro (PPB) – e ameaçava mais dois, que também tiveram seu pedido de prisão feito pelo Ministério Público Estadual: Fátima Couzi (PPB) e Luiz Carlos Moreira (PMDB).  
A surpresa – Quando os deputados chegaram à Assembléia para a sessão a ser dirigida, sozinho, por José Ramos, os comentários dos deputados do grupão eram de que haveria uma surpresa, enquanto alguns deputados mais argutos da base governista não estavam muito seguros do acordo feito na véspera por PPB e PL, que garantiria a Vereza 16 votos e, portanto, a vitória.  
A tensão era visível. No início da tarde, chegou às mãos do presidente José Ramos a decisão judicial decretando o afastamento de cinco deputados. Momentos antes da sessão, esses cinco deputados afastados na véspera pela Justiça conseguiram uma liminar de um juiz substituto reintegrando-os ao parlamento.  
O que se seguiu foi um autêntico cabo-de-guerra. Aberto o processo eleitoral, os deputados antigos queriam a realização logo do pleito nova Mesa e inscreveram uma chapa tendo na presidência o deputado Geovani Silva, ex-craque de futebol da Desportiva, Vasco, Seleção Brasileira e clubes italianos e alemães, agora um veterano jogador do futebol capixaba, com 37 anos, feito deputado com os votos da Igreja Maranata. Como vice, Marcelo Santos (PTB). Nas demais funções da Mesa, nenhum deputado antigo.  
A atuação de Ramos – A chapa de Vereza não aparecia. Os deputados do grupão pressionavam. José Ramos postergava o quanto podia a eleição à espera da segunda chapa. Fazia claramente o jogo do governo, que articulava a cassação da liminar que deu direito a voto aos parlamentares afastados na véspera. Chegou-se a um limite e Ramos não pôde mais esperar, deflagrando o processo eleitoral, o que obrigou à inscrição da chapa de Vereza, com deputados do PPB e PL em importantes cargos na Mesa Diretora.  
Quando a comissão escrutinadora contou os votos, a surpresa: Geovani Silva venceu por 19 a 11. A passagem de cargo foi rápida e Geovani discursava – “Foi Deus quem me colocou aqui, a Ele toda honra e toda glória...” – quando estourou uma confusão dos diabos, com um grupo de representantes do Ministério Público tentando entrar no plenário em companhia de um oficial de justiça – para entregar a decisão do desembargador Amin Abiguenem afastando, de novo, os cinco deputados – e sendo barrados pela segurança interna, comandada pelo coronel da reserva dos Bombeiros, Élvio Rebouças.  
Em meio ao inferno em que se transformou a Assembléia, com correria para todos os lados e manifestações populares, que gritavam “justiça, justiça”, a oficial chegou à Mesa Diretora, Geovani Silva recusou-se a receber a sentença judicial e deixou o plenário correndo, em direção aos vestiários, ops!, a um lugar mais seguro na Assembléia, passando em meio à torcida, desculpem de novo, aos manifestantes, isolados em um corredor feito por seguranças da Casa. Os populares vaiavam o antigo craque e aplaudiam os representantes do Ministério Público.  
A atuação da Justiça – Geovani ganhou mas não levou. Seguiu-se uma série de denúncias de que a estadia dos deputados do grupão no hotel das montanhas foi paga pelo então diretor da Assembléia, André Nogueira. O coronel Rebouças foi preso e, depois de cinco dias sob pressão, o presidente recebeu com alívio a decisão da Justiça de tornar nula a sessão que o elegeu. Mais dois deputados foram afastados, Fátima Couzi e Luiz Carlos Moreira, e um caiu doente, Heraldo Musso (PPB).  
Nova eleição foi realizada, de novo sob a direção de José Ramos, e desta feita a composição da Mesa Diretora da Assembléia, sob a presidência de Cláudio Vereza (PT), contemplou deputados do chamado grupão e o parlamentar do PT, apoiado pelo Palácio Anchieta, ganhou o comando do Poder Legislativo com os votos de 22 deputados, inclusive o de Geovani Silva, que não mais concorreu.  
Estará começando uma nova fase no Legislativo capixaba?  
 

  

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