Quando a experiência se une à modernidade,muito se pode mudar. De cada
uma é possível tirar idéias, projetos, decisões que vão possibilitar o avanço, o crescimento, a melhoria da qualidade de vida. Essa parece ser a síntese da mensagem que o presidente eleito do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Alemer Ferraz Moulin, quer passar nas entrelinhas de suas falas.
Ao completar 60 anos, em janeiro do próximo ano, Moulin terá atingido sua plenitude profissional. Como presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, cargo que assume no próximo dia 27, ele terá nas mãos o Poder Judiciário capixaba.
Tranqüilo, como quem se preparou ao longo de toda a vida para ocupar uma posição de destaque, Moulin tem vários projetos que pretende implantar na Justiça durante seu mandato.
Nascido de família pobre, ele passou por bons e maus momentos, conhecendo os dois lados da vida. Hoje, tem consciência das desigualdades sociais do país e de que é preciso tornar a Justiça mais acessível e menos morosa.
Nesta entrevista concedida para VidaBrasil, Moulin fala sobre como pretende administrar o Judiciário e deixa claro que apenas ações efetivas serão capazes de democratizar a Justiça brasileira. Conheça um pouco da vida e das idéias de Alemer Ferraz Moulin.
- Quem é o Alemer Ferraz Moulin?
- Sou natural de Alegre, cidade do sul do Espírito Santo. Nasci no dia 21 de janeiro de 1941. Vivi pouco em Alegre. Cerca de dois anos. Meus pais foram para Guaçuí onde fiz o ginasial. Nos anos 80 fui para o Rio. Minha família queria que eu fosse médico e eu freqüentei o cursinho para fazer Medicina. Mas não tinha vocação para médico. Em 1959 fiz vestibular na Ufes e comecei o curso de Direito. Fui contemporâneo do Hélio Carlos Manhães, do Theodorico Assis Ferraço, entre outros políticos que todos conhecem. Terminei o curso de Direito em 1963. Trabalhei em banco por 12 anos. Exerci o jornalismo como editor do “Jornal Espírito Santo” que era o órgão oficial da Prefeitura de Guaçuí. Fui também locutor. Fiz propaganda política para João Goulart através do serviço de auto-falantes.
- Isto foi antes de se formar em Direito?
- Já formado. Fui convidado por Hélio Carlos Manhães. Durante algum tempo atuei assim em Cachoeiro de Itapemirim. Andei aprendendo algumas coisas de narração esportiva. Fui também contador. Lecionei durante 12 anos para o Ginásio Irmãos Carneiros e para a Escola Normal. Freqüentei o curso da Cades aqui, em 1970. Possuo registro do Ministério da Educação em Direito com Legislação Aplicada em Estatística e tive a felicidade de ser paraninfo por cinco vezes consecutivas no Ginásio São Geraldo. Fui secretário da Câmara Municipal de Guaçuí durante sete anos. Advoguei durante 10 anos em Guaçuí. Cheguei a trabalhar no Cartório do Primeiro Ofício, começando como office boy e chegando até a substituir o titular durante um período de um ano e pouco.
- O senhor é de família abastada? Como foi sua infância?
- Meus avós eram de família abastada. Mas eles tinham uma prole bastante numerosa. Eram doze irmãos e meu pai era o caçula. Na época que meu pai ficou órfão, os bens ficaram sob a responsabilidade de meus tios mais velhos. Naquela época era tudo muito difícil. Meu pai sabia fazer de tudo com o couro. Fomos para Guaçuí e durante algum tempo ele trabalhou como empregado em uma loja de couro. Houve aí uma situação interessante. Ele foi contemplado com o primeiro prêmio da Loteria Federal, com o bilhete 27.620 que eu me lembro muito bem. Ele passou então a ser proprietário dessa loja.
- Nessa época sua mãe deixou de fazer os docinhos e salgados para fora?
- Ela passou a cuidar quase que exclusivamente das atividades de casa. Antes, ela fazia os quibes pela parte da manhã e vendia à tarde. Nas terças e quintas-feiras fazia o bom-bocado e o manjar-dos-deuses. Eu, nos sábados e domingos, até a hora do matinê do cinema, engraxava sapatos. Isto foi até a hora em que meu pai teve essa sorte. Depois que ele comprou a loja e eu passei a trabalhar com ele. Na época eu tinha de oito para nove anos.
- O senhor também já vendeu remédios?
- Essa foi uma época ainda anterior a que meu pai começou a trabalhar como empregado na loja. Quando nos transferimos para Guaçuí, moramos durante uns quatro anos na casa de meu avô. Não tínhamos condições nem de pagar um aluguel.
- Mas ele era alfabetizado?
- Era. Meu pai foi um excelente orador. Foi venerável da Loja Maçônica em Guaçuí, vereador por várias legislaturas. Nessa época ele já era proprietário da casa comercial.
- Só depois que a família teve mais recursos é que nasceram os outros irmãos?
- Aí nasceram o Luiz e minha irmã mais nova, a Maria Tomazia. O fato é que cheguei aos 18, 19 anos com outra situação. Acho que meu pai não nasceu para ser proprietário de nada. Ele quebrou. Meu pai passou a morar de casa em casa, na medida que o cobrador do aluguel ia receber e nós não tínhamos dinheiro. Como filho mais velho, tive que assumir uma série de dívidas para que eles pudessem viver. Eles diziam: “Alemer é bancário e eu aceito uma promissória dele”. Aí eu passei a ser tanta coisa: bancário, professor, comecei a trabalhar em escritório de contabilidade, trabalhar em jornal. Eu tinha que fazer dinheiro. Consegui sair disso tudo, honrando todos os compromissos. Quando fiz 28 anos decidi voltar a estudar e fui aprovado em 1973 como juiz substituto. Fui nomeado para a comarca de Barra de São Francisco, onde fiquei durante 45 dias. Naquela época havia uma história de que os juízes nascidos no sul tinham que ficar no norte e vice-versa. Hoje, a posição do Tribunal é de olhar também o interesse do magistrado e de sua família. Depois de Barra de São Francisco fui para Muqui, onde fiz meu primeiro julgamento. Depois percorri várias comarcas do norte, como Montanha, Mucurici. Até que fui promovido, em 1975, a titular para Mantenópolis. Lá, exerci minha atividade por cinco meses e depois pedi minha remoção para Santa Leopodinha, onde fique também por cinco meses. Depois fiquei um ano e três meses em Muniz Freire.
- Enquanto isto, sua família ficava em Guaçuí?
- Exatamente. Eu agradeço muito a meu sogro que hoje é falecido. Ele deu toda a assistência para minha família e foi praticamente o pai de meus filhos durante esse período.
- O senhor tinha meta de morar em Vitória algum dia?
- Não tinha. Sou uma pessoa do interior. Em paralelo às minhas atividades profissionais, sempre me prestei a ajudar todo mundo. Fui fundador do Lions Clube de Guaçuí. Cheguei a presidente do Lions. Fui rotariano durante quatro anos. Ingressei na Loja Maçônica Liberdade e Luz em setembro de 1976. Hoje já recebi todas as honrarias que as lojas maçônicas prestam. Essa é a única instituição que estou filiado durante todo esse tempo porque já não faço mais parte do Lions e o Rotary. Exerci também a presidência do Esporte Clube Capixaba, o time de futebol que durante algum tempo foi até famoso lá no Sul.
- O senhor jogava bem?
- Muito bem. Fui reserva do aspirante Esporte Clube Capixaba durante toda minha vida. (risos)
- Toda família tem uma estrela. Quem era a de sua família?
- Eu considero o Luiz (Luiz Moulin – duas vezes prefeito de Guaçuí, secretário de Estado e secretário de meio ambiente da Serra) como a estrela de minha família, embora ele não tivesse tido a sorte de chegar aonde eu cheguei. Mas ele sempre foi um verdadeiro líder. Desde muito novo.
- Qual a diferença de idade entre vocês?
- Ele tem 53 anos e eu 60. Ele tem uma grande trajetória. Freqüentou a Escola Dom Pedro Segundo, no Rio. Ele era tão freqüentador da Biblioteca Nacional que tinha a chave de lá. Foi presidente do Diretório Central de Estudantes. Mas teve que praticamente fugir do país na época da Revolução. Ele freqüentou a Sorbone. Conhece o mundo todo.
- E o senhor, na época da revolução militar, qual era sua posição política?
- Eu era um humilde cidadão de Guaçuí e não exercia nenhuma atividade política participativa.
- Como se deu sua vinda para Vitória?
- De Muniz Freire, fui para São José do Calçado. Depois para Iúna e em seguida para Guaçuí onde fiquei por quatro anos. De lá, fui promovido para Cachoeiro de Itapemirim. Nesse ínterim, meu filho mais velho pretendia fazer o vestibular para Medicina e então eu consegui colocá-lo no Salesiano. Vim a Vitória visitá-lo e o encontrei em uma situação lastimável. Ele estava magro. Sentia que ele passava fome na pensão e decidi que deveria vir para Vitória.
- Então, o que o trouxe para Vitória não foi seu trabalho mas a família?
- Exatamente. Não foi minha profissão. Mas confesso uma coisa. Se eu pudesse ficava a vida toda em Guaçuí. A vida é mais tranqüila no interior. Lá, seu vizinho é o parente mais próximo. Aqui, a primeira coisa que os vizinhos fizeram quando estávamos mudando foi desligar o elevador para que ele não fosse danificado. Nós tivemos que subir os cinco andares de escada com a mudança. Se fosse em Guaçuí, os vizinhos iriam lá saber se precisávamos de alguma coisa, ajudariam a colocar as coisas para dentro.
- Em que ano o senhor chegou a Vitória?
- Foi em 1982. Aqui, durante algum tempo, estive na Primeira Vara Criminal de Vila Velha. Depois pedi remoção para a Ufes. Fui convidado para ser assessor do desembargador Sales de Sá e de Silva Ferreira. Eu acredito que o fato de ter sido assessor de dois presidentes do Tribunal me deu um relacionamento forte entre os desembargadores o que me credenciou a ser promovido para a Instância Especial para onde o saudoso desembargador José Mathias, tio aqui do nosso jornalista Celso Mathias, foi o primeiro magistrado a ser promovido por idade. Depois dele, participei de uma lista e fui promovido por merecimento. Logo em seguida, o desembargador Lopes Pimentel se aposentou e eu fui promovido por antigüidade para sua vaga. Isto foi em 1993. Dessa época para cá, tive a felicidade de ser presidente, por duas vezes, e vice-presidente da Associação dos Magistrados. Em 1995, fui o presidente da Amages. Depois, fui vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral. Na época, o presidente era o Everly Gandi Ribeiro. Posteriormente, por questão de antigüidade, assumi a posição do vice-presidente e corregedor do TRE. Com a aposentadoria do Norton Pimenta, completei o mandato dele e fui eleito presidente em seguida. Fui eleito presidente do Colégio Brasileiro dos Presidentes dos TREs. Na ocasião, tive a oportunidade de conhecer todo o país participando de encontros. Fui coordenador da Associação dos Magistrados da Região Sudeste. E agora fui eleito presidente do Tribunal de Justiça para esse biênio 2002 e 2003.
- E seu filho, virou médico?
- Hoje ele é procurador do Estado. É um advogado muito bem-sucedido.
- Ele teve uma trajetória parecida com a do senhor, na hora de decidir. Só que o senhor foi para a magistratura e ele optou por exercer a advocacia.
- Ele foi o melhor aluno que a Universidade Federal teve no século passado em matéria de nota. Tenho um filho que decidiu ser médico e outro que é juiz de direito e está na Primeira Vara Criminal de Guarapari. Ele está sendo removido para a capital. Ele tem 26 anos. Esses foram os maiores patrimônios que consegui em minha vida.
- Mas o senhor é rico?
- Tenho hoje um apartamento na avenida Rio Branco e um na Enseada Azul, em Guarapari, e um Toyota 1997. Mais nada. Estou com 60 anos de idade e trabalhei do jeito que contei.
- Na Bahia, houve uma disputa grande pela presidência do Tribunal de Justiça. Com foi sua eleição no Espírito Santo?
- Fui eleito por unanimidade. Tive 21 votos, inclusive o meu mesmo. Isto ocorreu porque, ao longo de toda minha trajetória, tenho tido uma ótima relação de amizade e conhecimento com meus colegas. Desta feita, foi observado rigorosamente o critério da antigüidade. O desembargador Vasconcelos Ribeiro poderia ter disputado também, mas ele optou por ser candidato a vice-presidente, de forma que fiquei sozinho.
- Pela sua trajetória de vida, o presidente eleito do Tribunal de Justiça é um homem sensível às causas sociais?
- Logo que fui eleito, distribui um programa mínimo de ação para a imprensa. Eu tenho consciência de que a Justiça além de morosa é restritiva. Hoje, quem se vê lá é a elite. O pobre é marginalizado. Durante uma entrevista que dei outro dia na televisão, eles fizeram uma pesquisa. Nela se constatou que apenas 8% da população acredita na Justiça. Eu disse que vou tentar ver a melhor maneira de mudar essa situação. Do José Eduardo para cá, foram criados mecanismos como os Juizados Especiais, a Justiça Volante. Mas, infelizmente, por uma razão qualquer e até mesmo por falta de recursos, o Espírito Santo que era um Estado da Federação que portava esse tipo de avanço, de tecnologia, não teve a evolução que pudéssemos levar a cabo. Hoje, no Amazonas, se vê a Justiça fluvial. A Justiça Eleitoral usa até ultraleve e nós ficamos para trás. Penso em dar ênfase nos Juizados Especiais. Sei que tenho que ficar atento à Lei de Responsabilidade Fiscal que já atingiu o Geraldo, nosso presidente. Ele teve que reduzir drasticamente suas despesas colocando servidores na rua, enfim, tomando uma série de medidas como a extinção do juiz de paz. Penso em fazer o seguinte. Estou em contato com D. Silvestre. Quero mobilizar a sociedade...
- Qual a sua religião?
- Sou espiritualista. A doutrina é Racionalismo Cristão, que foi fundada em 1910. Temos uma Casa do Racionalismo, em Bento Ferreira. Não tenho uma religião. Tenho uma doutrina. Mas a verdade é que vou tentar implantar núcleos de Juizado Especiais. D. Silvestre me ofereceu os salões paroquiais para que eles possam funcionar. Recebi também a visita do pastor Mecenas, da igreja Batista, que também se colocou à disposição. O núcleo é uma união de pessoas voluntárias que têm algum conhecimento para exercer a função de conciliador. Ali, eles terão condições, pelas orientações que irão receber, de resolver pelo menos 80% dos problemas da comunidade. Aqueles que não podem ser solucionados ali serão levados para os Juizados Especiais, inclusive os criminais.
- O senhor acha que as pessoas menos favorecidas tem conhecimento de seus direitos?
- Depois que surgiu o Código de Defesa do Consumidor, elas têm melhor noção de seus direitos. Acho que a pessoa mais carente tem alguma noção, mas ainda é pouco e ela precisa ser alertada para isto.
- O senhor faz parte de uma geração que está se acabando. Essa geração que estudou em escola pública. Mas o que se vê hoje são filhos da classe média alta estudando Direito. Filho de pobre não estuda Direito. Esses serão os juízes no futuro. O senhor acredita que é possível colocar em prática essa Justiça para todos?
- Na verdade, nos últimos concursos que o Tribunal de Justiça realizou nós conseguimos escolher magistrados do melhor nível. Tem uma juventude do melhor quilate. Entre outros, os doutores Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, Alexandre Martins Filho e Rubens José da Cruz, que além de magistrado, é médico. Acho que ninguém faz nada sem planejamento ou sozinho. Nós já estamos realizando algumas ações. Por exemplo: eu tenho uma equipe que vai atuar em área de presídio. Eles estão elaborando os programas que estamos pretendendo implantar nessa área. Por esse programa, o preso vai poder acompanhar como está sua situação no dia-a-dia. Na verdade, o preso está sob a responsabilidade da Justiça até o julgamento. Depois, ele passa a ser responsabilidade do Estado. Mas eu entendo que a Justiça pode dar alguma contribuição nesse sentido, para minimizar os problemas. Eu tenho certeza que se nós fizermos um mutirão, dentro de seis meses, poderemos reduzir a população carcerária drasticamente. Esse é o tipo de trabalho que já está sendo montado.
- O senhor começou a se preparar para ser presidente do Tribunal de Justiça quando foi assessor de presidentes do Tribunal?
- Eu sempre tive vontade de construir alguma coisa. Pensei mesmo em chegar a presidente do Tribunal para que pudesse dar minha contribuição.
- Eu estive observando que, nos últimos meses, o senhor conversava com o legislativo e com o executivo. Gostaria que o senhor contasse o trabalho feito no sentido de angariar condições para desenvolver seus projetos?
- Nos últimos anos, como presidente do TRE, eu percorri os 78 municípios e em todos deixei um cartório eleitoral. Todos nos mesmos moldes do cartório de Vitória. Eles são interligados ao sistema intranet. Desde essa época, comecei a ver as deficiências das comarcas, conversando com meus colegas. Com relação ao Executivo e Legislativo, aos problemas que nós temos visto por aí, acho que o magistrado deve se ater aos processos, ao que está nos autos. Eu tive um relacionamento maravilhoso com o atual governador, com o presidente da Assembléia Legislativa, com todos os deputados. Sempre que pude, dentro do possível, dentro do direito, venho tentado ser útil a cada um deles. Graças as esses relacionamentos, inclusive afetivo, comigo preocupado em preservar a imagem da Justiça, foi que, no princípio desse ano, o governador me autorizou a acompanhar o Orçamento do Estado. Comecei através da Secretaria do Planejamento, para montar um trabalho em cima da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Eu louvo o trabalho da Assembléia. Nessa lei existem situações que vão possibilitar que eu comece minha gestão sem problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal. A lei prevê que a folha de pagamento deve atingir no máximo a 6% do orçamento. Quando o Geraldo assumiu ela estava em 8,7%. Ele deixou em 7,1%. Na Assembléia, conseguimos colocar um dispositivo na lei que possibilita, na hora do cálculo, reduzir a folha do inativo, que representa 23% das despesas que temos com pessoal. Então, nós vamos ficar abaixo dos 6% no próximo ano, quando a lei entra em vigor.
- Como é feita essa redução?
- É só para efeito de cálculo. Não é para colocar os inativos à margem do pagamento. Eles vão continuar recebendo normalmente. Eles foram desmembrados do conjunto. Pelo que me consta, nós vamos ter para o próximo ano o melhor orçamento do Judiciário.
- O deputado Juca Alves apresentou 50 emendas ao orçamento do Judiciário, no sentido de colaborar com a Justiça ou não?
- Não, foi no sentido de retirar nosso trabalho. Mas ele está no papel dele como político. Isto é muito natural. O político, para ter alguma coisa, precisa tirar de alguém. Mas isto não significa nada. Ele teve a intenção de levar para sua base alguma coisa que pudesse. Bom, mas com esse orçamento, eu pretendo primeiro fazer um concurso para juiz. Tenho certeza que posso fazer um concurso e nomear até 70 juízes sem atingir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Temos que fazer o concurso, pela nossa carência que hoje é de mais 100 magistrados. Temos 40 comarcas de primeira instância sem juiz titular. Isto ocorre porque houve uma época em que ser delegado era mais vantagem do que ser juiz.
- Pela questão de salários?
- Pela questão até de vocação. A magistratura é um verdadeiro sacerdócio. Há a falta de atrativos também salariais. Nossos salários estão defasados há oito anos. Bons advogados, hoje, têm melhor sorte. Mas como eu estava dizendo, a primeira coisa é o concurso para juiz, depois virá o mutirão nos presídios, a ênfase nos juizados especiais. Vou implantar um programa de controle de qualidade total. Acho que a palavra desperdício deve sumir de tudo. Quero envolver a magistratura toda com nossos projetos. Acho que ninguém faz nada sozinho. Quero tentar descentralizar minha administração. O governo não tem seus secretários? Quero ver se amplio alguns setores para que tudo deixe de ficar centralizado na minha cabeça, só nas minhas idéias. Provavelmente, não vou fazer nenhum concurso para admitir servidores. Nós temos hoje quase 4 mil servidores. Temos pessoas que fizeram concurso e são médicos, engenheiros, psicólogos, mas estão exercendo funções de escrivão juramentado. Por quê? Todos sabemos que um engenheiro na Vale ganha R$ 800,00. Mas se ele for escrivão do judiciário vai ganhar R$ 3,5 mil. O que vou fazer é implantar um plano de cargos e salários na Justiça. Um servidor sem perspectiva fica estagnado. Eu acredito que se você der R$ 1,00 já é um incentivo para que ele melhore.
- Vamos fazer um exercício de futurologia. Com essa crise no Estado, suponhamos que o governo sofra uma intervenção e que o vice não assuma. Se o presidente da Assembléia for candidato à reeleição, também não vai assumir o que daria a vaga para o senhor. Como o senhor vê a possibilidade de assumir o governo do Espírito Santo?
- Eu costumo dizer o seguinte: estou preparado para exercer a função de presidente do Judiciário. Estou empenhando com muita vontade e entusiasmo essa função. Confesso, em princípio, que fico muito mais satisfeito com essa função. Mas se for chamado para exercer essa honrosa posição, será outro desafio em minha vida. Vou tentar desempenhar da melhor maneira que puder. Será apenas um período de transição.
- Mas poderá ser muito mais. A política não lhe atrai?
- Vim de uma família que é voltada para os ideais políticos. Eu já tive experiência como secretário. Acompanhei a atividade política como locutor...
- Usando uma expressão bem mineira, o senhor não tem vontade mas se o cavalo passar o senhor monta?
- (risos). Eu acredito que seria um papel meramente institucional. Agora esteja certo que, se me for dada essa oportunidade, eu foi tentar contribuir de alguma forma para o Estado.
- Se lhe propusessem: nós queremos elegê-lo o governador para cumprir o restante do mandato atual, o senhor toparia?
- Seria uma situação que eu não me atreveria a definir agora. A vida é o tempo presente.
- Qual é o maior desafio para governar o Espírito Santo?
- Eu sou um magistrado por vocação. Há 29 anos que exerço essa atividade. Exercer a atividade política é muito diferente. Esse tipo de avaliação eu ainda não fiz.
- O senhor vai assumir a Presidência da Justiça em um Estado que vem sendo constantemente bombardeado pela imprensa nacional como violento. Como o senhor avalia esse quadro?
- O Brasil atravessa uma série de problemas. Nós engatinhamos em termos de desenvolvimento. Temos acompanhado a política nacional com certa preocupação. Sou contrário à reeleição. A permanência de um governante por mais de quatro anos é muito tempo. Não conheço história de um político que em seu segundo mandato tenha se superado em alguma coisa. A prática demorada de administração parece que acaba desmotivando o governante.
- Mas a quebra também não é ruim, já que há a quebra de projetos?
- Faz parte da democracia, o rodízio. Mas há sempre a renovação da esperança.
- O brasileiro sabe votar?
- Temos ainda uma camada da população que se deixa levar, chegando até a trocar o voto por algum benefício. Infelizmente, o brasileiro, em sua maioria, ainda não sabe votar.
- Voltando à questão da crise do Espírito Santo. O senhor enxerga essa crise do tamanho que a imprensa nacional apresenta?
- A imprensa é tida como o quarto poder. Acho que seu papel é o mais salutar. É graças a ela que muitas coisas estão sendo corrigidas. Muitos crimes, até de magistrados, estão sendo apurados. O papel da imprensa é muito importante. Mas ela também tem o lado sensacionalista. A gente sabe que não é bem isto. Mas de um modo geral, acho que a imprensa tem desempenhado um papel importantíssimo para o país.
- O que leva ao aumento da violência?
- Temos hoje no Brasil uma impunidade muito grande. Os crimes de colarinho branco são os mais difíceis de serem apurados.
- O senhor é favorável à Súmula Vinculante?
- Da maneira como ela está sendo, não. Como ela está sendo colocada, vai engessar toda a magistratura. Se o caso se apresentar semelhante, o juiz não terá mais o trabalho investigatório, de pesquisa. Ele vai simplesmente adequar aquela situação a uma anteriormente existente. Eu não acredito que seja, para a maioria dos casos, interessante.
- Mesmo em relação às questões públicas que abarrotam os tribunais?
- Elas abarrotam principalmente os tribunais superiores. Mas não é o caso dos tribunais do interior, onde cada caso é um caso. Cada um tem sua característica.
- Mas os processos não se alongam demais em função de que os órgãos públicos precisam recorrer até à última instância, mesmo sabendo que perdeu a causa?
- O direto brasileiro é muito extenso em recursos. O ideal é que o caso termine no Estado. Uma causa de um Estado, de uma capital, deve terminar ali. Não ir para Brasília. Isto leva ações a se arrastarem por mais de 20 anos.
- Tem ainda o problema da execução civil.
- É preciso promover uma reforma para acabar com isto. O Celso Mathias faz perguntas muito pertinentes. Conhece bem o assunto. Está acostumado a entrevistar os presidentes do Supremo Tribunal Federal.
- Como fazer para acabar com isto?
- Temos no Congresso uma discussão de reforma do Judiciário que tem sido longa. O único que não tem participado dessas discussões é o Judiciário. Tem havido hoje algum lobby por parte dos magistrados. Mas ainda é muito pouco. Acho que a reforma do Judiciário deveria passar, em primeiro plano, pelo próprio Judiciário. O Congresso deveria encomendar um projeto ao Judiciário, o que não significa dizer que eles vão aprovar tudo o que é proposto. Quem é responsável por legislar é o Congresso, mas eu entendo que o Judiciário poderia ter uma efetiva participação na elaboração dessa lei.
- Qual a consequência do episódio do juiz Nicolau dos Santos Neves para a magistratura brasileira?
- Fatos dessa natureza denigrem, repercutem, servem para reduzir ainda mais os índices de credibilidade da Justiça. Os verdadeiros magistrados não comungam com uma situação dessa.
- O senhor acredita que o juiz deve ser uma espécie de super-homem?
- Eu acho que um juiz deve ter postura, deve ter dignidade. Ele precisa ser um exemplo para a sociedade.
- É por isto que se dá a dificuldade de preencher as vagas para juízes?
- Nas provas, o candidato sofre uma sindicância. O primeiro a prestar informações somos nós mesmos. Qualquer pessoa pode prestar informações sobre um candidato. O juiz pode ser até analfabeto. Mas precisa ter postura.
- A Justiça é justa?
- Ela é justa. O magistrado é que persegue a Justiça. Errar é humano. Ninguém é infalível. Muitas vezes se procura acertar, mas nem sempre isto ocorre. É para isto que existe o recurso. É para que a pessoa cobre a verdadeira Justiça.
- Mas o fato de que a Justiça precisa ser cega e não observar o lado humano não provoca mais erros?
- Essa concepção de Justiça cega é, até certo ponto, relativa, porque na concepção de valores, na análise da execução, se observa o ser humano
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Alemer Ferraz Moulin
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